Capítulo três

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MAITÊ

Deixei Lara na escola, me despedindo dela com um beijo, e fui para o bar de ônibus. Apenas Pedro tinha carro, o que era muito ruim para mim, pois tudo seria mais fácil se eu tivesse um também. Eu tinha um carro, mas quando vim morar com Pedro, o vendi para quitar algumas dívidas dos meus pais. Desde então, eu só ando de ônibus, seja para levar e buscar Lara na escola, para ir ao bar limpá-lo ou abri-lo. E além disso, utilizo táxis apenas em situações extremamente necessárias.  

Normalmente, quando Pedro chega em casa muito alcoolizado, como ontem, o bar é aberto por mim para que os funcionários entrem e comecem a se arrumar para darem início ao expediente. 

Coloquei os aperitivos na bancada da pequena cozinha e fui para a despensa buscar os utensílios de limpeza para adiantar meu serviço. Limpei o chão, os balcões, as mesas e os banheiros o mais rápido que pude. Tentei não me sentir incomodada ao estar ali sem Pedro, visto que, devido o caso de assédio, era muito desconfortável permanecer naquele ambiente. Minha vontade de não pisar no bar era enorme, no entanto, deixar Pedro na mão nunca foi uma opção.  

Antes que o expediente tivesse realmente começado, Pedro chegou. Soltei a respiração que eu sequer percebi que estava prendendo. Enquanto caminhava em minha direção com um sorriso, Pedro passou a mão em seus cabelos castanhos curtos com alguns fios brancos e, logo em seguida, piscou fazendo charme. 

Aos trinta e cinco anos, Pedro permanecia o mesmo homem bonito que eu conheci há oito anos. Não mudou muito, apesar de agora ter uma barriguinha de cerveja por exagerar na bebida. Entretanto, não se deixem enganar por sua bela aparência e por seu olhar galanteador. 

Ele já estava na minha frente quando, sem me dar oportunidade para desviar, me beijou para que todos que estavam naquele espaço pudessem ver. Foi tão rápido que nem consegui reagir.

— Boa tarde, delícia

Ele saiu de perto de mim antes que eu pudesse responder algo. Revirei os olhos diante do apelido que sempre odiei. Da forma que ele falava, eu me sentia como um prato de comida e não como uma mulher. Discretamente, limpei com a mão qualquer vestígio do beijo que ainda estivesse ali.

A presença dele fazia com que eu me sentisse segura no bar, porém o nojo que eu sinto por ele se tornava cada vez maior ao ver que, mesmo depois de tantas conversas, ele continuava agindo naturalmente como se houvesse parado de me trair e estivesse tudo bem entre nós.

Relevar situações constrangedoras, palavras machistas e traições se tornou algo corriqueiro. Apesar de minha irmã e dos meus pais sempre me alertarem sobre isso, passei um longo período desacreditando que o meu relacionamento estava fadado ao fracasso. Entretanto, não demorou muito até que eu percebesse que Pedro e eu, há muito tempo, não temos mais a mesma química de antes. Não me sinto uma namorada ou esposa, me sinto uma empregada, uma cozinheira, uma babá e uma amante que deve estar pronta para ele ter a qualquer momento.

Não sei quanto tempo mais irei aguentar, porém, todo santo dia, assim que me levanto, reforço a ideia de que devo permanecer firme por Lara. Não posso afastar minha filha do pai, não quero prejudicar seu crescimento fazendo com que ela viva de casa em casa. 

Além disso, sinto que tudo está fora do lugar, o que gera uma frustração e uma impotência muito grande, talvez seja pelo fato de eu querer ter minha própria fonte de renda, ter uma vida estável e bem-sucedida para poder me livrar de pelo menos uma das amarras de Pedro.

No entanto, sou uma mulher de trinta anos que nunca teve um emprego de carteira assinada além do estágio. Minhas chances no mercado de trabalho são praticamente nulas. Como eu poderia mudar de vida se sequer tenho uma visão de futuro ou uma saída cabível?

Quando o Acaso Vira DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora