Capítulo quatro

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MAITÊ

Em abril de 2008, fazia mais de dois meses que eu tinha entrado na faculdade. Eu ainda estava eufórica por estar cursando Ciências Contábeis, o curso que eu sempre quis fazer, pois, desde muito nova, eu acompanhava meu falecido avô trabalhar nessa área. Ele trabalhava como Controller em uma Siderúrgica, portanto ele era responsável por analisar as informações financeiras da empresa. 

Eu amava vê-lo trabalhar. Parecia tudo tão simples e descomplicado que eu desejava ter um trabalho que eu me sentisse tão bem como meu avô. Aos poucos ele me ensinou algumas coisas e quando eu tive maturidade suficiente, contei para ele que eu tinha certeza que eu queria trabalhar com isso. Ele ficou muito emocionado, já que nossa família nunca teve muitas oportunidades e ter alguém fazendo faculdade é um grande orgulho para todos. Mas, infelizmente, tempo depois, ele faleceu e não pode me ver dando início a esse sonho ao entrar na faculdade.  

As aulas haviam acabado de retornar e eu ainda não tinha me adaptado ao horário das disciplinas e a ficar dentro da sala de aula por muito tempo, por isso, durante a aula de Estatística Aplicada decidi ir até o trailer da dona Gi, uma senhorinha muito simpática que vendia a melhor coxinha do universo. Sai da sala da forma mais discreta possível, tentando não incomodar o professor que ainda tornava a repetir o mesmo assunto para que todos os alunos compreendessem o que ele estava ensinando.

Cheguei até o trailer azul da dona Gi e cumprimentei o homem que estava trabalhando recebendo os pedidos no lugar da senhora simpática. Estranhei a ausência da mesma, pensando no que poderia ter acontecido. No entanto, descartei os pensamentos negativos, pois se o trailer estava aberto, era porque nada de grave havia acontecido. Fiz meu pedido que rapidamente foi entregue.

Minutos depois um homem de cabelos escuros e barba bem aparada, que aparentava ter a mesma idade que eu, sentou-se ao meu lado. Ele tinha uma presença tão marcante que atraía todos os olhares para ele, inclusive o meu. Não consegui deixar de observá-lo. Perdi o ar, momentaneamente, quando seus olhos castanhos me flagraram. Ele sorriu e perguntou:

— Tudo bem com você? — Sua voz era tão linda e imponente quanto ele.  

— É... Sim. — Respondi embaraçada por ter sido pega encarando-o sem nenhum pudor.

Para a minha felicidade, ele não deu continuidade à conversa. Eu estava tão envergonhada que eu poderia cavar um buraco ali mesmo onde eu estava e me esconder. Por isso, me concentrei em terminar de comer minha coxinha depressa, para que eu pudesse sair dali o mais rápido possível. 

Ao terminar de comer, levantei-me e tateei meus bolsos em busca do dinheiro. Quando me dei conta, lembrei que a vontade de sair da sala era tão grande que não vi que não tinha trazido minha carteira. O constrangimento se tornou ainda maior ao perceber que eu havia comido algo que eu não tinha dinheiro para pagar naquele momento. 

Como dona Gi não estava presente, eu não sabia como conversar com uma pessoa que eu mal conhecia para deixar que eu pagasse depois, como dona Gi sempre possibilitou. 

— Senhor Davi? — Chamei, de forma discreta, o homem que estava responsável pelo trailer pelo nome que eu havia escutado alguém chamá-lo. Aparentemente ele não ouviu, então retornei a chamá-lo um pouco mais alto. Quando ele percebeu meu chamado, caminhou até mim. 

— A senhorita deseja alguma coisa? — Sr. Davi disse enquanto me analisava em pé. 

— Então, senhor... Eu acabei esquecendo o dinheiro na sala e...

Sem permitir que eu completasse a frase, ele balançou a cabeça em sinal de negação e disse:

— Não posso fazer nada pela senhorita. Peça para que alguém traga o dinheiro até aqui. Enquanto não pagar, não sai. Chamarei a polícia se não pagar.

Sr. Davi falou de uma forma muito dura comigo, o que me deixou bastante chateada, mas ao mesmo tempo eu entendia o lado dele. Ele não me conhecia, então certamente não iria confiar em mim. Como pude esquecer o dinheiro e me sujeitar a essa situação? 

— Eu não tenho ninguém que possa trazer o dinheiro e não tenho como eu avisar ninguém agora. — Suspirei tentando mais uma vez convencê-lo de que irei trazer o dinheiro só bastava ele me deixar buscá-lo. 

— Então eu terei que chamar a polícia!

Ele caminhou até o telefone fixo disposto no balcão, mas antes dele começar a discar o número, alguém se pronunciou: 

— Eu pago o dela.

Olhei para o lado atônita ao me dar conta de que homem gato permanecia sentado ao meu lado e que ele havia presenciado toda aquela cena. 

— Não precisa...

Antes que eu pudesse terminar, ele me interrompeu: 

— Não vejo porque não ajudá-la. Você pode me pagar depois. — Ele sorriu e eu me encantei ainda mais por ele. Seu sorriso era lindo com os dois dentes incisivos separadinhos por alguns milímetros. Ele se virou para o senhor Davi. — Some para mim a conta dela e a minha. 

— Se eu fosse você, não faria isso, está na cara que ela é caloteira. — Senhor Davi resmungou, alertando o homem ao meu lado que o encarou com uma carranca. — Tudo ficou por dezesseis reais e cinquenta centavos.

— Acredito que se ela for caloteira ou não, o senhor receberá seu dinheiro da mesma forma. Então um agradecimento pelo pagamento já seria o bastante. — Ele disse enquanto pagava e recebia o troco. 

Eu observei tudo de forma estagnada e quando percebi, o homem que tinha pago a conta, já estava a passos de mim. Por que sou tão distraída?

— Ei. — Gritei correndo tentando alcançá-lo.

Ao perceber que eu estava chamando-o, ele parou e se virou para trás, esperando que eu me aproximasse. Quando cheguei perto, respirei fundo e disse: 

— Você não precisava ter feito aquilo. Eu iria dar um jeito de pagar. Mas mesmo assim, obrigada!

— Acredito que você daria um jeito, mas antes disso acontecer, aquele cara já teria chamado a polícia.

— É... Eu sei. Como forma de agradecimento, você poderia me acompanhar até minha sala para que eu possa te pagar? — Sorri tentando fazer com que ele aceitasse me acompanhar. Não gosto de dever ninguém, principalmente alguém que eu mal conhecia. — O meu prédio é bem perto e não vai demorar eu pegar o dinheiro.

Ele parecia pensativo, mas concordou com um aceno de cabeça. Caminhamos em silêncio por um tempo, até que eu ousei chamar sua atenção novamente. 

— Poderia me dizer o nome do herói que me salvou do batalhão de policiais? — Brinquei e ele riu diante da minha pergunta. 

— Álvaro, ao seu dispor, madame. — Ele fez uma reverência um pouco desengonçada e eu o acompanhei. 

— Prazer, Álvaro. Sou Maitê. — Estendi minha mão e fui surpreendida quando ele a pegou e deixou um leve beijo ali. 

Naquele dia, fomos até a minha sala e eu consegui pegar o dinheiro durante o intervalo entre uma aula e outra, porém, nossa conversa estava tão boa que acabamos perdendo o horário. Desde então, sempre que podíamos nos encontrávamos em uma pequena praça que havia na faculdade. Cinco dias depois que nos conhecemos, nós demos o nosso primeiro beijo.  E em meio a risadas, carícias, pequenas declarações, trocas de bilhetes... vivi os melhores nove meses da minha vida. 

Quando o Acaso Vira DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora