Martírio

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Acordou com carícias contactando sua bochecha, demorou mais alguns segundos para abrir os olhos e perceber que o tecido da cortina esvoaçava com a força do vento, fazendo-a alcançar seu rosto

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Acordou com carícias contactando sua bochecha, demorou mais alguns segundos para abrir os olhos e perceber que o tecido da cortina esvoaçava com a força do vento, fazendo-a alcançar seu rosto. Aproveitou o conforto da cama por mais alguns minutos, sentindo o colchão abraçar seu corpo por todas as direções, assim como os lençóis enroscados por suas pernas. Espreguiçou a coluna e encarou o teto, sendo acometido pela escuridão do quarto. Por um segundo acreditou ter cochilado por menos de meia hora, o que explicaria a falta de iluminação no ambiente, mas — devido aos ossos emperrados e rosto amassado — entendeu que havia entregue o corpo ao sono por mais tempo que planejava. Sentou na cama e encontrou Zayn na janela, encarando a rua. Ele mantinha as mesmas roupas que usou para ir até à biblioteca, e depositava uma atenção invejável no que fazia.

— Que horas são? — perguntou, identificando a voz mais rouca que o habitual.

Zayn deu de ombros e continuou mirando a atenção na janela, observando a movimentação na rua.

— Tarde, bem tarde — por fim respondeu, sentando no parapeito.

— Quão tarde?

— Quase seis da noite.

— O quê? — chutou os lençóis que rodeavam suas pernas. — Dormi por tanto tempo assim?

— Você estava cansado — Zayn encarou o chão. — Seu pai esteve aqui mais cedo, antes de sair para trabalhar.

— Ele não viu você?

— Me escondi no banheiro antes que ele entrasse — sorriu, evitando contato visual. — Ele deixou um bilhete na escrivaninha.

Esticou um dos braços e agarrou o pequeno papel rabiscado, limpando os olhos antes de lê-lo: "deixei o almoço e a janta dentro do microondas. Me ligue caso se sinta mal, estarei na igreja após o trabalho". Respirou incomodado, sentindo que a frequência presencial do pai diminuía semana após semana. Não era a primeira vez que não o via por um dia inteiro, claro, mas esperava um pouco mais de preocupação depois de um acidente.

Por outro lado, pensou em como aquele afastamento era benéfico para a situação atual. Estava escondendo um demônio dentro do próprio quarto, deveria agradecer pelas poucas horas que o pai passava em casa. Não gostava de imaginar o que aconteceria se Charles descobrisse sobre Zayn, e qual rumo as coisas tomariam a partir dali. Odiava concordar com o outro, mas sabia que o pai espalharia a notícia para todos da igreja, colocando-os em perigo.

— Temos que ir até à biblioteca — Zayn desceu do parapeito, virando para encará-lo.

Entreabriu os lábios em choque quando mirou o demônio. Tão surpreso que Zayn o encarou com desconfiança. Inacreditável, pensou. O que havia acontecido? As escleras — antes aterrorizantes e intimidadoras — tingiam uma coloração branca, igual as dos humanos. A córnea, antes preta como a esclera, cintilava em um tom de castanho, quase um sauron. A abrupta mudança em seus olhos, mudou-lhe a fisionomia, fazendo-o parecer mais inofensivo, completamente diferente da figura maquiavélica que havia cruzado a janela do seu quarto há algumas noites.

EXCÊNTRICOOnde histórias criam vida. Descubra agora