Olho para o prédio à minha frente e solto um suspiro de admiração.
A construção espelhada diante de mim é tão comprida que mal consigo enxergar seu topo sem ser cegada pelo sol de meio-dia. A escadaria de entrada é de mármore branco e brilhante e parece mais a entrada de um palácio futurista do que qualquer outra coisa.
O portão de entrada, também espelhado, reflete minha imagem e sinto um nó na garganta. Meu terninho parece amassado e sinto as manchas de suor que se formam na minha blusa social de tecido barato e que pinica. Desejo poder voltar no tempo e não ter descolorido meu cabelo castanho e sem graça para pintá-lo de ruivo. A tinta barata que comprei deixou meu cabelo da cor de salsicha de cachorro-quente além de ter ressecado tanto o pobre coitado que tive que cortá-lo na altura do ombro.
Encaro meu reflexo e levo um susto com a minha cara lavada e sem um pingo de maquiagem. Meus lábios estão rachados e minha olheiras de noites mal dormidas parecem muito, muito mais roxas na luz do dia do que dentro do meu pequeno e mal iluminado apartamento. Eu deveria ter colocado um pouquinho de cor pelo menos nas minhas bochechas! Estou parecendo mais um assistente de funerária do que a futura assistente pessoal de um grande empresário.
Solto um suspiro de insatisfação comigo mesma.
Eu não pertenço a um lugar assim. Tão elegante e rico.
Bom, até que eu faça a entrevista e receba uma proposta real de emprego eu realmente não pertenço a esse lugar mesmo.
Ainda não entendi por que o pessoal do RH achou que eu seria uma boa opção para a posição de assistente pessoal do CEO. Quer dizer, que tipo de experiência eu tenho nisso? Até ontem, quando eles me ligaram, eu nem sabia o que significava a sigla CEO.
(Significa Chief Executive Officer, ou seja, um Diretor Executivo, ou seja, o todo da porra toda. Desculpe, não sou muito de falar palavrão, é porque estou nervosa).
Minhas experiências profissionais anteriores consistiam em algo que eu poderia descrever como babá/cuidadora/vigia/segurança/resolvedora de problemas/exterminadora de encrencas.
É, é mais ou menos isso.
Eu me ocupava de pessoas problemáticas. Na sua maioria, adolescentes riquinhos que tinham que entrar na linha. Eu os buscava na escola, ajudava com o dever da casa, os mantinha longe de encrenca, ameaçava as más influências com barras de ferro e os vigiava quando eles saiam à noite sozinhos. Às vezes também tinha que cuidar de milionários de oitenta anos passando por uma crise da terceira idade, impedindo-os de doar toda sua fortuna para a namorada de dezenove anos ou gastar a herança da família comprando parques de diversão falidos e ou jatinhos particulares pintados de vermelho escarlate.
Ou seja, eu cuido de pessoas que têm mais dinheiro do que bom-senso.
Como eu entrei nesse ramo? Não sei direito.
Acho que foi em algum momento entre largar a faculdade no primeiro semestre e pegar meu primeiro "trabalho" salvando uma colega de quarto de fugir para casar-se com um golpista. O que eu não sabia era que os pais dessa colega eram donos de um hospital (ou seja, riiiiicooooos) e eles ficaram muito agradecidos por eu ter zelado pela filha deles (eu a tranquei no banheiro e bati no golpista com uma frigideira, até ele admitir que era tudo um golpe pra arrancar dinheiro dela). Depois disso eles pediram que eu passasse a ser a sombra do seu outro filho, um adolescente destrambelhado. E foi assim que tudo começou.
Cinco anos depois, aqui estou eu. Do alto dos meus vinte e seis anos, pisando no chão brilhante dessa tal de Picato, uma das empresas mais ricas do país, pronta para minha entrevista para a vaga de assistente pessoal.
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Procura-se uma namorada (para o meu chefe) - [DEGUSTAÇÃO]
ChickLitCatarina Lima tem um emprego nada convencional. Ela é babá de riquinhos que têm mais dinheiro do que bom-senso. Sejam vovôs milionários que querem gastar toda a herança da família ou adolescentes mimados que não se cansam de rasgar o dinheiro dos...