V - Mostre-me seus demonios, eu posso te mostrar os meus.

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Essa semana que passou foi a definição de martírio, vivi meu inferno pessoal no sentindo literal da palavra. Nós guardiões não adoecemos, mas essa raridade se abateu sobre mim com a força de um coice de centauro. Acredite, falo por experiência própria, não é algo que queira experimentar. Sentia-me infeliz a ponto de querer ouvir toda música depressiva existente. Nem Mozart passou despercebido por minha playlist. Sentia minha pele pinicar como se agulhas invisíveis se enfiassem em meus poros.

Meu coração estava dilacerado, mal batia, faltava uma parte essencial nele, uma parte recém descoberta, mas que me era vital. Uma outra coisa que nunca neguei foi comida, nunca nunquinha em toda minha existência rejeitei alimento, mas agora. Nada me era atrativo, talvez meu corpo estivesse procurando uma forma de se flagrar já que a morte não me seria um alento. Dramático? É eu sei... eis eu aqui pagando novamente por ter rido da desgraça do pobre Romeu. Foi mau cara, agora te entendo completamente, minha Julieta me chutou os fundilhos e não consigo levantar desse buraco melancólico.

Acatei o pedido de Camila, não a procurei, mas não pude ficar tão longe. Não a via, mas sentia sua presença, assim eu a seguia, talvez fizesse isso para sempre. Já que não havia maneira de sufocar esse sentimento. O amor para minha espécie só acontece uma única vez, eu a amaria todos os dias sem diminuir um pingo a intensidade. Naquela sexta-feira sentia-me mais inquieta que o normal, no decorrer da manhã percebi que minha inquietação tinha nome e sobrenome. Porque em nome do que é mais sagrado, Camila estava no meio daquele temporal? Ouvi-la chamar meu nome foi de longe o ponto alto da minha triste semana.

Agora sentada em minha cama já de roupas trocadas esperava paciente que ela se livrasse das roupas molhadas para que pudéssemos conversar. O som quase inaudível da porta do banheiro abrindo alertou-me que a hora da verdade chegou. Camila estava deslumbrante em seu moletom que agora estava impregnado com meu cheiro, esse fato deixa-me estranhamente orgulhosa. Velei seu caminhar tímido e descalço até onde eu estava. Ela pareceu indecisa do que fazer agora.

- Venha, sente-se aqui ao meu lado. – Dei leves batidas no colchão. – Conte-me o que estava fazendo na chuva. – Camila sentou pertinho de mim, seu joelho tocando o meu. Seus olhos castanhos derretidos me fitavam com um misto de aflição e ansiedade.

- Preciso que saiba que sinto muito. – Ela murmurou em fio de voz choroso e naquele momento não quis mais explicação nenhuma. Só tomá-la em meus braços e nunca mais soltar. – Estava te procurando Gaby. – Ela confessou segurando minhas mãos nas suas. – Me perdoe por ter te mandando embora... Havia outras formas...

- Não se desculpa por falar a verdade. Fui sincera e não sinto arrependimento, você também foi e respeito isso.

- Você existe mesmo? – Uma das mãos dela escapuliu do aperto da minha e foi para minha bochecha. A proximidade repentina me deixou zonza. – Resolvi o que tinha para resolver e agora posso fazer o que sinto vontade desde a noite que você deixou sua toalha cair. – Camila roçou os lábios nos meus em uma provocação lenta e sedutora. Oh Céus! Sim! Acabei de descobrir uma maneira de morrer, que eu morra feliz então.

Minha mão livre foi para a cintura dela a trazendo para mais junto. Minha boca ávida tomou a dela em movimentos lentos, ambas estávamos nos conhecendo melhor naquele momento. Eu sabia que depois daquilo nada mais me seria suficiente; somente ela e mais ninguém. Sentindo-me febril de desejo. Entre abri os lábios, sua língua desbravou cada pedacinho da minha boca e em fim conheci o conceito de paraíso dos mortais.

- Anjo... por onde você andou todo esse tempo? – Camila mordeu meu lábio inferior e encostou a testa na minha. Sua respiração descompassada resvalando na minha.

- Te faço a mesma pergunta. – Poderia chover pedra e eu jamais poderia deixá-la. Eu serei dela para todo o sempre. – Mostre-me os seus demônios e eu te mostrarei os meus. – Cantarolei sua música, dizendo verdades incontestáveis.

Camila tomou minha pequena confissão como algum tipo de incentivo. Sem se afastar demais ela sentou em meu colo apoiando os joelhos no colchão. Ela me olhou de sua posição elevada, a bela mulher a minha frente sorriu tão lentamente que meu estômago revirou em antecipação. Segundas e terceiras intenções brilhavam em seus olhos.

- Toque-me Gabriella faça-me ouvir os anjos cantando. – Os dedos dela escorregaram pelos meus ombros e desceram por minhas costas. Suas unhas arranharam justamente nas marcas onde minhas asas surgiam enviando uma onda avassaladora direto para meu baixo ventre.

- Puta merda. – Rosnei agarrando aquele belo monumento de bunda e fiquei de pé antes de deita-la em minha cama entre os meus lençóis. Camila seria a primeira e única a habitar ali.

[...]

Camila permanecia deitada sobre meu peito, tínhamos somente meu lençol caro cobrindo nossa nudez e nenhuma de nós se importava com isso. Estava mais concentrada em percorrer meus dedos por toda extensão de seus cabelos castanhos e Camila parecia feliz em apenas abraçar meu torço.

- Gaby... – Ela ronronou meu apelido manhosa, deduzi que não demoraria muito para que adormecesse. – Por acaso, nós estamos quebrando alguma regra ou algo do tipo? – A latina ergueu a cabeça repousando o queixo um pouco abaixo de meus seios.

- Nunca fui de seguir regras. – Lhe sorri tocando seu nariz arrebitado. – Em toda sociedade ou povo há aqueles de mente fechada e os da minha espécie não estão imunes a esse mal; no entanto nós duas não estamos infringindo uma regra, é mais uma recomendação que claramente não está sendo muito seguida. Não somos as únicas, sei de um casal em Los Angeles que está esperando o nascimento do primeiro filho e há muitos outros por aí vivendo de amor e descobertas. 

- Amo te ouvir falar, me faz ver que ainda tenho tanto a aprender. Que nada sei do mundo aí fora.

- Vou ficar feliz em te ensinar.

Desde aquela noite estávamos sempre juntas desviando das lentes curiosas dos paparazzi. Não demorou muito para a notícia do término dela ir a público e tudo ficou ainda mais frenético. Nesse momento mais do que nunca Camila precisou de um porto seguro e fiquei feliz de estar ali para ela a recebendo em meus braços, acalentado seu sono deixando toda fofoca e suposições do lado de fora.
Agora mesmo que ela está rodando o mundo com sua turnê, não há um só dia que não tenhamos nos falado. Meus afazeres em Londres tem me prendido longe dela e a cada dia que não a tinha comigo pensava em como estava na hora de levantar voo. Não eram poucos os guardiões que não tinham um lugar fixo e mesmo que amasse essa cidade, amo mais Camila Cabello. Meus devaneios foram interrompidos pelo toque familiar de meu celular.

- Estava pensando em você. – Não ouvi seu riso costumeiro de todas as vezes que nos falávamos. – Está tudo bem swit?

- Estou Gaby... – Isso não me convenceu nem por um segundo. – Só queria que estivesse aqui. – Ali estava, o incentivo que eu precisava.
- Onde você está hoje? – Olhei em volta de meu quarto procurando lembrar onde coloquei minhas malas.

- Portugal, aqui é tão lindo... – Mas algo a perturbava a ponto de aquela declaração não soar animada como normalmente soaria. – Tenho que me preparar para uma entrevista, só queria ouvir sua voz.

- Camila. – A chamei antes que a ligação fosse encerrada. – Eu te amo, tenha isso em mente e em seu coração.

- Também te amo. – Não fazia muito tempo que havíamos dado o passo de colocar o que sentimos nessas três palavras poderosas.

Esperei ela desligar para jogar o aparelho celular em cima da cama e correr para meu closet. Capturei uma mala de tamanho médio  de um compartimento superior e comecei a guardar algumas roupas. Depois pegaria o resto, teria tempo para fazer uma mudança completa depois, agora tinha um objetivo maior em mente.
Troquei de roupa em tempo recorde e busquei meus documentos antes de voltar para o quarto e capturar meu celular. Se eu fosse rápida o bastante estaria com ela muito em breve. Desci as escada saltando os degraus sem medo de cair e arrebentar a cara.

- Albert! – Chamei meu fiel escudeiro que não demorou a aparecer na sala olhando-me curioso. – Preciso que segure as pontas para mim por alguns dias  até que eu avise ao Alto Conselho que Londres precisa de um novo guardião.

- Mas minha lady... O que está acontecendo?

- Minha garota precisa de mim.

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Sempre haveria esses dias em que só quero me encolher em um canto e fingir que o mundo lá fora não existe. As redes sociais são uma ponte que tenho com meus fãs, mas também são uma janela para pessoas tóxicas destilar veneno. Hoje por exemplo gostaria de não ter olhado meu Instagram ou meu Twitter.

Meu namoro com Shawn sempre despertou opiniões controversas e agora que terminamos a coisa se repete. Há aqueles que jogam maldade gratuitamente apenas para ferir e mesmo que não quisesse, acaba me afetando. Como agora, sentia uma crise de ansiedade se aproximando. Suas garras afiadas se fechando em volta de meu peito dificultando minha respiração. Infelizmente tinha que fingir que estava tudo bem para o mundo lá fora.

Aquela entrevista teve mais do mesmo de sempre. Perguntas sobre a tour, sobre o filme que as filmagens encerraram e sobre minha vida amorosa. Essa pergunta sempre me lembrava da garota especial que estava a quilômetros de distância e como a queria aqui comigo. No momento não teria nenhum problema em mostrar para o mundo como somos felizes juntas. Falar com ela aqueles poucos minutos serviu para diminuir um pouco a opressão em meu peito e aumentar a falta que sinto dela.

Os flashes ininterruptos dos fotógrafos do lado de fora da rádio me trouxeram de volta para a realidade. Meus seguranças estavam tendo dificuldade de manter os fãs e impressa sobe controle. Para onde olhava só via câmeras e mais câmeras, minha garganta fechou com o súbito sentimento de encurralamento.

- Camila, Camila! Porque você e Shawn terminaram do nada?

- Era mesmo um PR?

- Ele te traiu?

A enxurrada de perguntas me fez querer correr de volta para a rádio e me esconder até que todos tenham ido embora ou que alguém fosse em meu socorro. Foi apenas esse pensamento passar por minha cabeça que o som agudo de um relincho ecoou por cima das vozes em volta. No final do pequeno aglomerado de pessoas, as perguntas cessaram quando as atenções mudaram para a figura montada em um cavalo branco.

Quase como se estivesse esperando um sinal o cavalo galopou vindo de encontro as pessoas que me cercavam. Foi uma debandada geral abrindo espaço para seja lá quem fosse. O enorme animal parou de lado a centímetros de mim. Minhas pernas tremiam demais para que eu saísse dali junto com os parazzi. Essa ideia sequer chegou a se concretizar pois ouvi aquela voz que tanto senti falta.
- Minha donzela precisa de um resgate?

- O...O que... – Gaguejei a olhando tirar o capuz da capa que escondia seu rosto. O sorriso brilhante estava ali iluminando minha confusão. – Venha, vamos dá reais motivos para falarem. – Ela estendeu a mão.

- Não me derrube. – Segurei sua mão com força.

- Nem em sonhos. – Fui puxada para cima com facilidade desconcertante. Sentada em segurança na sela ela me envolveu com seus braços antes de fazer o cavalo voltar a se mover. Galopamos pelas ruas de Portugal arrancando olhares curiosos e flashes por onde passávamos.

- O que está fazendo aqui? – Perguntei quando finalmente recuperei a capacidade de falar. – E Londres? Está desprotegida?

- Você precisava de mim, sempre vou escolher você. Albert cuidará de tudo. – Um dos braços dela envolveu minha cintura me mantendo segura.

- Um cavalo branco? Um pouco clichê, não acha? – A ansiedade estava dando lugar ao sentindo fugaz que só aquela guardiã proporcionava.

- Swit, entenda. Sou um pacote completo do mais puro clichê. Espero que não seja um problema.
- Posso facilmente conviver com isso.


FIM

Bom pessoal, é isso. Espero que tenham gostado dessa minha loucura. Nos vemos por 😍😍😍

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