prólogo

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Atenção, capítulos com cenas fortes de violência física e verbal, palavras de baixo calão e uso de drogas.
Se você não suporta espere o próximo.

Proibido para menores de 🔞

Prólogo

Ando pela viela da comunidade, passos ligeiros, pernas finas, minhas sandálias gastas não são suficientes para impedir que meus pés toquem a água suja de esgoto a céu aberto que escorre do barraco de vários moradores, ratos disputam espaço com cachorro, crianças, eu sou mais uma no meio de tantas, a cada passo o coração acelera nos ouvidos, a cada passo me aproximo do inferno, eu preferia não ter nascido ou ter nascido em outra família.

O Tum... tum... tum... do meu coração impede que eu escute o choro das crianças dos barracos vizinhos, a música funk que a Jucélia escuta todos os dias, os gritos de socorro da vizinha que apanha do marido bêbado, mas da mesma forma que para mim, o socorro não vem para ela também.

Meu corpo não tem marcas, não muitas superficiais, o negro da pele esconde, mas as cicatrizes da alma essas nem a melhor maquiagem poderia esconder, eu queria ser igual aquele moleque que acabou de chegar da escola, e não estar chegando do sinal de trânsito sem um centavo no bolso, sei o que me aguarda lá.

Dez anos de idade, não lembro a data do meu aniversário, acho que são dez anos, meu corpo começa mudar eu sinto isso, tenho medo de chegar aos onze anos, a mãe da Brunna a vendeu aos onze, e entupiu o nariz de farinha com a Mara, minha mãe, na minha boca esse nome tem um gosto amargo, pior que fel.

A primeira vez que a chamei assim nunca vou me esquecer, tenho até hoje os vergões que a pele escura esconde, mas dá para sentir ao tocar, sou mais uma no meio de tantas outras, faço parte das estatísticas, e mesmo com a pouca idade percebo que sonhos são vãos, eles não fazem minha barriga parar de doer com o vazio.

Aqui nem a polícia vem, de vez em quando os bandidos usam nosso barraco como esconderijo ou depósito de armas, ou a milícia vem para cobrar algo dos bandidos, e por algumas gramas de pó ela guarda as armas no teto de madeira puído do que um dia foi um barraco quase decente. De longe escuto o choro do meu irmão Escobar, homenagem ao seu herói, tenho medo, mas preciso cuidar como posso do meu irmãozinho de um ano, que deve chorar de fome, do lado de fora escuto os gritos dela que eu sei que dá para ouvir do outro lado da comunidade.

- Desgraçado deveria ter matado você assim como deveria ter matado a imprestável da sua irmã!

Tenho vontade de sair correndo e ir morar nas ruas, mas o que me aguarda na rua é o mesmo ou talvez pior que o que me aguarda lá dentro. Aos sete anos de idade até que era mais fácil ganhar uns trocados no sinal de trânsito, alguns patrões querendo talvez uma redenção jogasse umas moedinhas, mas aos dez anos, o bico do seio apontando na blusa gasta, não oferecem nada além de cinco reais por uma hora.

Infância? Não sei o que é isso, muito menos inocência depois de ver a Mara com seus clientes, no sofá gasto da sala ou ouvir seus gemidos durante a noite inteira e ela contar para a sua amiga quanto de pó conseguiu com seu árduo trabalho, não há espaço para inocência.

Com minha pouca idade já pedi a Deus várias vezes para morrer, mas acho que ele por ser um velhinho não deve escutar, ela sabe que horas eu chego, sente meu cheiro sujo de longe, não sei como ela ainda sente meu cheiro com o cheiro podre de dentro do barraco, latinhas de cerveja para todo lado, a louça da pia oferece comida para as batatas e até os ratos, nunca sobra para mim.

- Então a putinha chegou... Passa, passa toda a grana, quero meu dinheiro, nem que você tenha que fazer programa... Sua puta dos infernos.

Ela me puxa pelos cabelos e eu espero o que não demora a chegar, já nem dói mais estou anestesiada, na segunda chicotada com os fios de energia, cobre roubado envolto por um plástico. Minha mente viaja para o sinal, um garotinho de cinco anos faz uma careta e com a inocência de uma criança bem cuidada pergunta para os pais.

- Mãe, por que ela não toma banho, a mãe dela não gosta de dar banho nela?

Já não me importo mais com os comentários, racismo é crime para aqueles cuja sociedade olham, eu sou invisível, me olham como se eu fosse uma ratazana grande e nojenta, deve ser por isso que ela me chama assim. Sete chibatadas, puxões de cabelo, tapas na cara, meu corpo é arremessado contra o chão, o Escobar continua chorando ao longe, não vejo mais nada, a fome, e a dor me apagam, e antes da escuridão me abraçar escuto.

- Tomara que tenha morrido, vou ligar pra Jucélia para saber o que fazer com o corpo dessa ratinha...

"Me sinto sufocar, sacudo a cabeça e me vejo em um lugar totalmente branco, alguém segura minha mão e abre uma porta, assim que entramos passamos por algumas pessoas dormindo em um beco escuro e sujo, algumas crianças não tem com o que se cobrir, outras se cobrem com caixas de papelão, continuamos andando e a pessoa abre outra porta, e agora o cenário é diferente, é tudo muito limpo, branco e tem uma moça negra como eu sorrindo para um bebezinho em uma caixa transparente, ela está toda de branco e parece um anjo."

Acordo com a cabeça doendo, está muito frio, o corpo moído, as costas em brasas, por incrível que pareça aqui está mais macio que minha cama, abro os olhos assustada, mas não consigo me levantar, meu corpo queima. Abro os olhos e vejo tudo branco...
No canto vejo uma moça de branco, deve ser um anjo, será que no céu também tem dor?
A porta se abre e uma moça loira, muito bonita também de branco entra.
- Como está nossa paciente Rosa?
A moça loira se aproxima e me sorri bondosa.
- Vejo que acordou. Ela lê algo que está em suas mãos e sorri novamente, parece feliz em me ver, acho estranho, ninguém nunca ficou feliz em me ver.

- Apesar da concussão cerebral nada de mais grave, aparentemente, você desmaiou de fraqueza, você está me entendendo?
Permaneço calada, mas afirmo com medo de sua reação ao não receber uma resposta.

Boa noite galera ♥️♥️♥️

Durante as postagens de capítulos colocarei músicas, se vc não quiser e não gostar dos estilos musicais é só curtir a leitura.

Minha Vida É Tua  (Disponível Na Dreame, Hinovel E Lera)Onde histórias criam vida. Descubra agora