3.1 - Trabalho em dupla

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Saio da República correndo pra entrar no táxi, nesse pequeno meio tempo apenas de atravessar a rua a chuva já tinha molhado todo o meu casaco.

Dou ao motorista o endereço e ele começa a dirigir até a universidade. Eu estava atrasada pois já tinha se passado das 18:20, só que por causa dessa tempestade de última hora o táxi atrasou e consequentemente eu também!

Quando paramos em frente à universidade abro a minha mochila procurando pelo meu guarda chuva desesperadamente mas adivinha, o meu desespero também me fez esquecer do óbvio.

Olho pra escadaria até o prédio totalmente desprotegida e respiro fundo olhando pro motorista, ele parece ter pressa, respiro fundo e abro a porta olhando de novo pra queda d'água que descia das escadas.

Coloco um dos pés pra fora e fecho os olhos arranjando coragem até sair do carro rápido fechando a porta indo em direção às escadarias.

Quando dou o primeiro passo ainda com os olhos fechados não sinto a chuva me molhar, estendo as mãos abrindo um dos olhos e depois o outro olhando pra cima vendo o guarda-chuva preto em cima de mim.

Olho pro outro lado do cabo me encontrando novamente com os mesmos olhos intrigantes de sempre.

-Irene - Ele me cumprimenta - aceita uma carona até a sala?

Suspiro aliviada e sorrio suave com seu jeito cortes de falar.

-Obrigada - digo segurando o cabo do guarda-chuva também com a mão um pouco a cima da dele, seu olhar vai de encontro com meus dedos até voltar a olhar pra frente.

Subimos as escadas e eu vejo alguns estudantes olhando pra nós com certa curiosidade e até um estranhamento, desvio o olhar pra cima olhando pro seu cabelo meio bagunçado.

-Não te vi ir embora mais cedo - Comento olhando pra frente de novo.

-Aquela cafeteria estava ficando cheia, deve ter sido por isso, pequena.

-Pequena? - Paro de andar e olho pra ele que agora voltou a me encarar, provavelmente a sua visão era a da minha expressão irritada.

-Pequena - Ele confirma simplista voltando a andar com um sorriso sacana subentendido nós lábios.

Quando entramos dentro do prédio, saio de baixo do seu guarda-chuva e assim que ele é fechado vamos até a porta da sala de Espiritualidade e Filosofia.

Foi um pouco engraçado como todos os alunos olharam pra gente até o Senhor.Louis vir na nossa direção.

-Já que chegaram atrasados juntos, façam o trabalho em dupla juntos!

A maioria dos professores não liga pra atrasos mas alguns ainda nos fazem pedir pra ir ao banheiro como se estivéssemos no ensino médio, infelizmente pra mim, Louis era desse tipo. A esposa tinha o abandonado alguns anos atrás, ele leciona a pouco tempo mas se considera experiente. Ele é baixo e meio gordinho, usa roupas de alfaiate sempre que pode.

-O que esperam? - Ele diz alto quando demoramos pra nos sentar - Eu espero que não se repita Senhorita Irene, o Senhor Colin não parece ser má influência!

Ele nos dá as costas assim que juntamos as mesas.

Colin. Então esse era seu nome. É fácil de lembrar, na verdade parece que eu nunca esqueci.

-Desde quando você virou o protegido do Senhor Louis? - Comento baixo sem virar o rosto pra ele que se aproxima devagar.

-Na mesma época em que você virou o alvo dele.

Colin. Vejamos até agora. Parece o tipo de pessoa que tem mais a esconder do que diz que tem, não sei como não o notei antes, é verdade que sou focada demais apenas naquilo que me interessa e no geral o resto dos alunos não me interessavam.

Tenho quase certeza de que ele não tem e nem quer ter grandes planos, ele quer um futuro simples com coisas que ama ao seu redor sem precisar expor elas pra ninguém. Considera suas vitórias mentais maiores do que as profissionais mas ainda não deixa de ser ambicioso. Eu sei disso porquê eu sou assim, e me toquei desde que ele me olhou pela primeira vez que tinhamos muito em comum.

Voltando pro trabalho, ele era simples, uma apresentação pequena junto a um relatório manual.

Olho pra fora por alguns segundos, a chuva ainda estava caindo.

As vezes as coisas parecem ser mais do que realmente são, as vezes as coisas são simples demais para mentes humanas complexas demais e ao mesmo tempo moldaveis demais, sempre está se moldando, não sei dizer exatamente pelo que, mas ela se molda, assim como a água da chuva que da o seu jeito pra atravessar os obstáculos até se infiltrar na grama, no seu lugar seguro.

Eu queria poder dizer que a minha mente estava em processo de mudança, mas eu ainda não sei qual é o meu lugar seguro... talvez esse "lugar" seja apenas uma incognita até eu alcançar alguns sonhos como ter a minha primeira casa... me formar... ou só alimentar o meu futuro passarinho, eu não sei... quem sabe eu nunca ache essa segurança.

Quando eu era pequena, o meu lugar seguro era o lado de fora, era essa chuva que parece com a que caia a 10 anos atrás, que me dava a felicidade de pular em poças e voltar pra casa levando bronca por ter manchado o carpete novo... agora é só uma lembrança daquelas boas mas que ainda são tristes, a diferença é que eu sei que essa só é triste por não voltar mais.

- Nós podemos fazer o relatório hoje a noite e combinamos a apresentação amanhã... treinamos ela no fim de semana e segunda já é nossa apresentação - Desvio o olhar da janela pra ele meio confusa ainda com o assunto - Em que mundo estava? - Sorri suave.

-Desculpa - Me encolho um pouco envergonhada e vejo os temas na lousa - Qual pegamos?

-O homem contemporâneo na busca da espiritualidade - Arregalo os olhos meio irônica e então sorrio.

-Parece interessante - Digo sabendo que isso está longe de ser verdade.

Terminamos de ver a aula até as 22:30 e então vou junto com ele até seu armário pra ele pegar o guarda-chuva de novo, encosto no armário do lado do qual ele abre e olho pros alunos pedindo um monte de táxis.

-Sabe que é um lugar cheio de mulheres né? - Procuro seus olhos até ele me encarar fechando seu armário.

-Sei? - Ele dá de ombros sem entender abrindo um sorriso confuso que quase me obriga a sorrir também.

-Vamos trabalhar, não paquerar! - Aviso, só me faltava ficar de babá dele flertando com as garotas da República.

-Nossa que pena! - Ele diz depois de uma risada longa e divertida - Meu plano era te deixar fazer o trabalho sozinha, Irene!!

Cruzo os braços tentando parar de sorrir pra sua risada e então desvio o olhar pro corredor decidida a ignorar ele até o necessário.

-Espera - Ele diz quando me vê andar na frente dele - Vamos com meu carro, pequena.

Skinny loveOnde histórias criam vida. Descubra agora