Não aguento mais, preciso contar a minha história para alguém. Sinto que tenha que ser você.
Sempre fui um grande apreciador de bifes bem suculentos. Daqueles mal passados, que ao cortar despeja muito sangue no fundo do prato. Saignant. Meu maior gozo na vida sempre foi pedir esse prato em meu restaurante preferido, o Chef D'Avilla. Dartanhan D'Avilla é o melhor chefe que você poderia querer preparando sua comida, e como meu mais antigo amigo, eu tinha meus muitos privilégios no restaurante, um deles era ser atendido pessoalmente por ele.
Tudo começou em uma manhã de sábado. Chovia diluvianamente em minha mansão. Nesse dia os empregados estavam de folga, e como na noite anterior eu tinha perdido minha presa sexual para um novo-rico (bem mais jovem), sentia-me desamparado. Olhava a chuva no vidro e imaginava um futuro como aquele, sozinho para enfrentar meus problemas e dores. Acabei tomando dois diclofenacos e voltei para a cama. Dormi até sonhar com um bife suculento. Alguém o colocava na minha frente e eu o devorava, uma e outra vez, e ele não acabava nunca. Era como um show de horrores, mas delicioso! Só que, para minha consternação, quando eu não podia mais comer e estava começando a me desesperar porque o prato ainda estava na metade, alguém mandou eu me levantar, foi quando notei que estava em uma cadeira de rodas e pude compreender tudo… eu estava comendo vorazmente de minhas próprias pernas.
Depois desse sonho em que acordei suando igual uma bica, horrorizado, com uma ereção digna e morrendo de fome, as coisas começaram a ficar meio estranhas. Não conseguia mais olhar para meu corpo sem tentar imaginar que sabor ele teria assado, frito, marinado… Saignant.
Certa manhã quando acordei deveras perturbado, corri só de roupão para a cozinha e abri o freezer procurando por um pedaço de carne, porém, em vez de fitar o refrigerador, meus olhos não saiam da minha mão, imaginando sua textura e gosto. Eu salivava. Dei meia volta, corri até os temperos, joguei sal e pimenta na mão e quando eu estava a um ponto de morder o molinho entre o dedão e o indicador, Maria entrou na cozinha. Disfarcei dizendo que tinha cortado a mão, mas não sei se ela acreditou, nem eu acreditei. Levei meu semblante terrificado para longe dela e algum tempo depois, quando o encontrei no espelho, não me reconheci ali.
Minha obsessão crescia dia por dia. Meus sonhos eram permeados de carne crua, dentes rangentes, facas afiadas. Uma manhã acordei com uma dor muito forte no braço, senti algo empapando meu abdome, um forte gosto de ferro na boca. Foi quando dei por mim, com a camisa em sangue, uma mordida profunda no braço, e uma forte ereção. Meus sonhos estavam pouco a pouco virando realidade. Eu estava começando a me comer.
Desesperado procurei um médico, mas antes de ser atendido, fui até o banheiro e fiquei chupando a mordida aberta, sugando de meu sangue. Era um ato desesperador, mas tão delicioso, que ao mesmo tempo que eu chupava meu sangue e arrancava pequenos pedaços de carne, eu me masturbava descontroladamente. Quando lavei a parede da latrina, senti uma vergonha tão grande, e um horror tão profundo que praticamente saí correndo do consultório médico.
Procurei um padre, mas no confessionário nada saiu dos meus lábios. Só conseguia pensar em carne crua, a minha. O padre não era muito paciente e me intimou, ou contava logo meus problemas ou dava chance para outro. Eu nunca fui católico mesmo, saí da igreja num redemoinho de pensamentos ruins. Entrei no carro e voltei em desespero para casa.
Lá fui direto para meu depósito particular de cocaína, inalei três carreiras inteiras. Quando eu senti o amargor na garganta, e o sangue recolhendo as toxinas tão desejadas, andei firme até a cozinha. Maria fazia a limpeza da noite, me olhou assustada. Expulsei ela. Procurei pela faca mais afiada. Do refrigerador peguei gelo. Fiz um torniquete na perna, coloquei gelo para amortecer qualquer dor. Joguei álcool para esterilizar e parti para a ação. Tirei um belo naco de carne! A coisa mais linda que meus olhos já viram! Aqueci uma grande faca no fogo e cauterizei a ferida. Não senti dor, senti um prazer absurdo.
D'Avilla sorriu quando me viu chegando. Estranhou eu mancar muito, mas não fez perguntas. Preparou a carne com um supremo cuidado, e ainda me perguntou que animal eu tinha matado para encontrar a carne tão fresca, e que parte era aquela que ele não estava reconhecendo. Ele não imaginaria. Dois minutos de cada lado, temperatura entre 55 e 59º e minha delícia estava pronta. Com ela já no prato, ele salpicou sal e pimenta do reino moída, tão logo ele o depositou na minha frente, agarrei minha iguaria com as mãos e corri ao banheiro.
Confesso, a cada naco de carne, um suspiro. A cada suspiro, um arrepio. A cada arrepio, um jato de sêmen.