Desconfiado, entrei. Sentei-me devagar pelos meus ferimentos e o observei.
-O que é tudo isso que está acontecendo? -Perguntei de imediato-.
-Você já percebeu quantos elementos da natureza te rodeia? -Ignorou meu questionamento-.
-Pode me responder? -Pedi-.
Chinatsu segurou com firmeza meu braço e disse:
-Apenas responda, por favor.
O senhor fumou seu cachimbo calmamente e continuou a me olhar, esperando pela resposta.
-Não, eu não penso nos elementos da natureza ao meu redor.
-Pois bem, pense que cada elemento da natureza seja uma força distinta uma da outra, mas não em intensidade e sim na sua forma. Ao longo do tempo, pessoas nascem com vestígios dessa força natural. Poucos sabem disso, pois a primeira pessoa a notar tal habilidade humana, foi um ancestral muito longe da minha linhagem e isso foi passado de pai para filho conforme as gerações progrediam. Quando essa informação foi divulgada para essas pessoas com habilidades especiais, muitos conflitos foram gerados pela busca do poder, mas um problema ficou evidente: Mesmo que existam essas pessoas, elas não podem controlar essas habilidades. Até o dia em que eu nasci, minha habilidade natural é a sabedoria, e sendo assim, eles descobriram de mim que existe o acaso para nascer essas pessoas ou por linhagem em que ambos devem ter essas habilidades, e com isso, a forma de criar um humano com essas características, mas somente há uma forma de criar um ser capaz de controlar seus dotes naturais sem restrições: O filho de Yin e Yang, porém a probabilidade de haver um descendente com o elemento da natureza Yin e outro com o Yang ao mesmo tempo e de gêneros opostos são muito baixas...
-Com licença, eu gostei realmente de toda essa mitologia que você está desenvolvendo, mas ainda não me respondeu. -Interrompi-.
-Você é o descendente Yin, James. E os poucos clãs que sabem da existência de seres como nós, vão te caçar, pois descobriram que há uma descendente Yang perdida pelo mundo. Temos que achá-la antes deles e te manter protegido. -Disse mostrando seu olhar amedrontador-.
-Há um mal entendido, eu sempre fui uma pessoa muito normal, posso voltar para casa? Sua fantasia está indo um pouco longe. -Pedi-.
-Você sabe que sempre teve algo de diferente das outras pessoas, eu consigo ver nitidamente. -Comentou-.
-Então o que Chinatsu é? -Perguntei em deboche-.
-A sua natureza é o vento, mas só conseguiu utilizar somente uma vez.
-Tá bom, me parece que eu vou ser feito de refém por vocês de qualquer forma, então podem me dizer o que vou fazer? -Perguntei olhando ao redor-.
-Não te faremos de refém. Pode ter a sua escolha: Você pode pegar hoje mesmo um voo para sua casa sabendo dos riscos ou fica conosco e ensinamos a se defender.
Pensei por um momento. De prontidão era inevitável minha volta para o Canadá, mas e se isso for real? Ninguém teria tanto trabalho para algo falso, porém isso era muito fantasioso para ser real e além do mais, eles são asiáticos, provavelmente só estão levando sua religião ou costumes a sério de mais, o que não é incomum, contudo se isso for somente uma alucinação de um homem velho, por que não aceitar? Minha vida era tão monótona quanto um lago congelado, e minha mãe não vai ficar preocupada aparentemente, pois será mantida informada e ter esse luxo por um tempo me parece agradável.
-Eu aceito ficar por um tempo, mas desde que eu possa sair a hora que eu quiser para casa. -Propus-.
-Como queira. Por favor Chinatsu, cuide-o. Na próxima semana você irá começar seus treinamentos.
A porta do salão foi aberta abruptamente, ecoando por todo o salão. Um homem de ombros largos e uma feição que demonstrava o ódio mais puro que eu já teria visto na vida, vinha em nossa direção. A cada passo que ele se aproximava, mais eu me sinto arrependido de ter prolongado a conversa com o velho. O homem parou próximo de nós. Em seu rosto, uma cicatriz aparentemente de uma espada cobria-lhe a face desde a testa até o seu queixo. No braço direito uma tatuagem com um rosto de um lobo-do-ártico.
-Você me disse que eu iria buscá-lo, Kenichi! Por que Chinatsu foi em meu lugar?! -Perguntou furioso-.
-Yoshiaki, eu a mandei porque era o certo a ser feito e espero que não queira questionar minhas decisões. Mas já que voltou de sua missão mais rápido do que deveria para me confrontar, vai ter sua punição: quero que treine o garoto. -Respondeu em um gesto com o cachimbo para mim-.
Yoshiaki continuou com a mesma feição e respiração forte, claramente ele queria dizer muitas coisas e continuar aquela discussão, mas talvez por respeito ou medo ele preferiu não fazê-lo. Chinatsu levantou, reverenciou o velho e se dirigiu para fora, como se não tivesse notado a presença de Yoshiaki no local. Comecei a me levantar para fazer o mesmo, mas quando Yoshiaki notou que eu iria sair do salão em encontro com Chinatsu, disse:
-Ela já cumpriu a missão com você, agora irá me obedecer.
-E por que eu deveria? -O confrontei-.
Ele se aproximou de meu rosto e me encarou.
-Porque eu não tenho medo de te por no seu lugar. -Respondeu com desprezo-.
Eu pensei em continuar com aquilo, mas o fato dele ter um braço que é do tamanho de minhas pernas e de o velho não ter o repreendido, não me deixou. Yoshiaki reverenciou-o assim como Chinatsu, mas de forma nítida sua má vontade. Após isso, se dirigiu ao corredor. O segui.
Ao longo do corredor, vi alguns outros monges ou algo parecido, mas nenhum tinha uma tatuagem como ele. Não muito longe dali, chegamos a uma sala parecida com o banheiro, baixa iluminação pelas velas, música instrumental chinesa e alguns panos no chão. Ioga?
-Você não parece ser do tipo que faz ioga. Sem ofensa. -Comentei-.
-Não é ioga. Nós vamos começar o treinamento pela parte mais frágil e com maior potencial do corpo, a mente. -Sentou-se em um dos panos na típica posição de meditação-.
-E o que tenho que fazer? -Perguntei imitando-o-.
-Você vai começar com uma respiração profunda, após sentir seu corpo relaxar, vai tentar esquecer de tudo, pensar em nada e em tudo ao mesmo tempo. -Respondeu fechando os olhos e aparentemente começou a fazer o que me disse-.
Fechei os olhos. Cada vez que meu pulmão se preenche com o aroma floral dessa sala, mais meu coração parecia acompanhar um final de tarde no verão, calmo e intenso. Aos poucos parei de ouvir a música e tudo ao meu redor. Minha mente era o único local em que eu conseguia me encontrar no momento. Mas eu não estou sozinho...