A maior parte dos erros dos homens provém mais do fato de eles raciocinarem a partir de falsos princípios do que raciocinarem mal de acordo com os seus próprios princípios.
Pierre Nicole
Condão: Capacidade, poder, dom, faculdade, virtude ou qualidade.
Prólogo
Edwardo Marx. Pegou-se rindo daquele nome. Não que lhe tenha dado muitas alegrias na infância. A insistência do avô em colocar a alcunha do filósofo alemão como segundo nome no neto quase levara seu pai à loucura, além de esgotar toda a paciência de sua mãe. Mas não foi a devoção insana pela filosofia socialista que lhe dera tantos problemas, e sim a letra “w” jogada no meio do primeiro nome. Parecia que haviam cortado sua nacionalidade, e de fato o fizeram. O avô, em um requinte de perfeccionismo achou que a aposição de um prenome nacional seria uma afronta ao idolatrado ícone do século XIX. Obediente e catatônico seu pai o batizou Edwardo Marx Ribeiro e assim ficou. Atualmente pouco importava o que significava Karl Marx. Há muito não se discutiam teorias socialistas, neoliberalistas, capitalistas ou que cargas istas fossem, nem mesmo há algum tempo, na época de seu nascimento. Era irrelevante. Só o que o deixava aflito, era o miserável “w” no meio do seu nome, assimétrico, anacrônico, assilábico e estúpido. Mas isso fora na infância, onde qualquer coisa era motivo de sofrimento. Não era para menos. Fora pequeno e tímido. Quase se pressupunha que pedia para sofrer provocações. O nome era só mais um motivo de chacota. Ainda assim tinha uma vaga esperança de crescer forte e descontar todas os tapas na nuca que colecionara. Seu aspecto físico e psicológico poderiam mudar para melhor. Mas o nome não, este o acompanharia para sempre. Todo aquele sofrimento só pararia ao entrar na EV, onde tudo mudaria.
Riu de novo, desta vez gratuitamente. O produto fazia efeito. Lembrou-se que deveria agradecer a Sílvia pelo presentinho, provavelmente conseguido no Instituto Nacional de Biogenética vindo de alguma das plantações autorizadas da Bahia, onde estavam trabalhando com uma variação fortalecida da planta. Era interessante como o governo estimulava o uso do produto. Mas as explicações do porquê eram vagas e inespecíficas. Ignorou aquele último pensamento e deu uma tragada tão forte que o fez bambear, mesmo sentado. Aquilo não era prudente. Estava a mais de 12 metros do chão em uma saliência de um telhado, próximo ao cais. O lugar era um dos melhores para vislumbrar a vista da Baía de Guanabara, ainda mais naquele estado nirvânico. Já havia visto em fotos como o local era decrépito e feio, há muito tempo, quando ainda utilizavam construções gigantescas de concreto que pareciam totalmente obsoletas mas que de algum modo tinham conexão com o transporte público. Já há muito tempo não era assim. A orla, que se estendia do Aterro à altura do Cemitério do Caju, formava um cartão-postal ímpar no mundo.
Estava a ponto de dar mais uma tragada quando avistou dois rapazes fumando logo abaixo, no canto diametralmente oposto. Falavam baixo, rindo distraídos, mas em tom audível. Provavelmente vindos de alguma festa nos arredores. Arriscado. Apesar de que fumar tecanol em lugares públicos não era mais um crime há muito tempo, ainda se enquadrava como uma pequena contravenção. Não haveria prisão, mas caso fossem detidos teriam que ir à delegacia eletrônica mais próxima, passar seus cartões de identificação e débito a fim de pagar multa. No outro dia se apresentariam ao Instituto de Saúde Pública onde uma videoaula obrigatória falaria sobre o risco do uso abusivo do produto, o que renderia uma manhã perdida. Via de regra, qualquer ambiente privado era legalizado para o uso da substância, mas ele não trocaria aquela vista das luzes da madrugada da baía por um enfadonho consumo em casa, mesmo porque odiava acessar a super-rede quando estava sob efeito seja do que fosse. Por outro lado, consumir no solo do porto não era uma boa opção.
Surpreendeu-se com a própria previsão quando viu o par de drones terrestres se aproximando, um em cada canto da rua. Encolheu-se e apagou o cigarro. Estavam a uns 30 metros de distância mas o nível de detecção daqueles novos drones era impressionante. Não arriscaria uma retenção à toa. Agradeceu em silêncio por ter sido precavido e desligado o módulo de comunicação em lente de contato, bem como o receptor interno para voz no ouvido. Estava incógnito. Não usava mais nada eletromagnético, a não ser o cartão de identificação que só era ativado quando em contato com o aparelho receptor.
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Condão (Lista Internacional)
Ficção CientíficaA obra de ficção científica “Condão” diferencia-se pela abordagem político-técnica de um futuro onde o controle da informação tornou-se o meio de direcionamento da sociedade. Apesar de, aparentemente, usar o mesmo tema de “Admirável Mundo Novo” (Hux...