Capítulo 6
Henrique Pierrone sentiu o café amargar na boca. Aquilo não era comum. Sempre tomara café sem açúcar e orgulhava-se de ser bom entendedor dos melhores tipos. “Café deve sempre ser tomado sem açúcar para que o sabor seja preservado”, dizia. Agora, aquele sabor amargo. Soube de imediato que não se tratava do café, e sim dos acontecimentos que vinham se sucedendo desde a madrugada. Aquele protocolo de nível de segurança era o precursor de tudo. Quando o informaram, há 15 meses, que os drones teriam a liberdade de execução imediata foi tomado por um arrepio de pavor. Seguiram-se dias de palestras, filmagens externas à cidade, fotos de paióis e milícias para convencê-lo de que havia uma revolução sendo arquitetada no interior. Não seria só no Rio de Janeiro, mas em diversos outros estados do país. A mobilização era federal, portanto. Ainda assim estava totalmente desconfortável sobre o protocolo do Condão ter sido violado de tal forma. Violência era algo extremo para o programa. “Ultima ratio”, por assim dizer. Como Comandante da Região Central do Município sentiu-se na obrigação de questionar tal procedimento. Só haviam 3 comandantes na cidade. Acima dele apenas o Comando Estadual e o Comando Federal. Foi em vão. No fim teve que se dobrar à ordem. Voltou-se para a mesa de controle. Naquele momento o aspirante Freitas olhou-o e assentiu com a cabeça, quase imperceptivelmente. Então sorriu com leve nervosismo, mexendo a xícara.
Recordou-se da noite anterior e como a sucessão de fatos anormais a transformariam. Tudo começara quando fora acordado pelo chamado inesperado, às 2 da madrugada, para que coordenasse a busca da testemunha de uma execução de segurança. Ligou os dois aparelhos óticos imediatamente através de uma sequência de piscadelas. Não fora comunicado. 2 rapazes haviam sido eliminados através de força eletromagnética por serem subversivos infiltrados, outro procedimento de execução sem o seu consentimento. Isso estava se tornando mais comum do que queria ou poderia aceitar, já era a terceira vez. Sentou-se abruptamente na cama. Não era qualquer um que conseguia controlar dois dispositivos de lente ao mesmo tempo. Orgulhava-se disso e gabava-se aos aspirantes. Em uma das lentes acessou o drone de terra e em outra um dos drones de ar. O segundo parecia vasculhar um telhado de prédio, mas repentinamente virou-se para um conjunto de construções separadas por centenas de becos. Captara algum som. Deslocou-se velozmente para o local. Infelizmente, para um drone de ar, o deslocamento entre paredes tão próximas tornava seu movimento lento, por isso perdera o rastro. O comandante tentou ordenar o drone de terra para que desse a volta no prédio e rastreasse o fugitivo. Mas o drone já se deslocava para lá. Alguém já havia dado o comando.
— Crasso! – Pensou. Acessou o drone vigilante supra-aéreo mais próximo. Estava a 3 mil metros de altura e a 10 mil metros do local. Ordenou o mergulho para 500 m acima do complexo. Chegaria em 70 segundos e era dotado de feixes gama que poderiam detectar pessoas através das paredes.
Voltou à reflexão anterior: o alerta de fuga da testemunha fora dado pelo drone de terra pois estavam programados para alertá-lo sobre esse procedimento, mas não da execução. Provavelmente porque a execução não era uma emergência. De repente teve um pressentimento: se Crasso tomara o controle do drone de terra poderia querer levar a cabo a execução da testemunha como parte do protocolo. Mataria um inocente e não poderia deixar aquilo acontecer. Tinha que interceptá-lo antes.
O drone aéreo sob seu controle ainda tateava às cegas pelos becos. Subiu para 50 metros, mas não conseguia detectar nada. Os becos eram muito estreitos e salpicados de meios telhados, escadarias de ferro e pequenos destroços que impediam a visão. Repentinamente recebeu um alerta. Alguém acessara um dispositivo remoto entre os becos. O drone voou diretamente para o local. Tarde demais. Um segundo drone de ar disparara um feixe eletromagnético. Ouviu o estrondo no captor sonoro auricular esquerdo, vindo diretamente do drone sobre seu controle.
YOU ARE READING
Condão (Lista Internacional)
Science FictionA obra de ficção científica “Condão” diferencia-se pela abordagem político-técnica de um futuro onde o controle da informação tornou-se o meio de direcionamento da sociedade. Apesar de, aparentemente, usar o mesmo tema de “Admirável Mundo Novo” (Hux...