Capítulo 1

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"Já tem um ano, não sabia? Mas relaxa que eu tô muito melhor assim, a gente era muito diferente mesmo, sabe? Chegou a um ponto que quando eu chegava em casa e ele não estava eu dava graças à Deus. Só me arrependo de ter deixado minha geladeira na casa dele. Eu que tinha escolhido." Disse Cecília fazendo uma cara de sofrimento bem maior que a realidade, as três mulheres ao seu lado riram.

A menina pequena e muito animada se alongava na frente do espelho da sala de dança, esta que contava com janelas de vidro enormes em uma das parede, um chão de madeira brilhante e várias mochilas de alunos jogadas pelos cantos.

Durante o alongamento, enquanto sentada no chão, a menina corria com as palavras "e ainda por cima ele parecia que tinha 80 anos, né? Eu não mereço ficar vivendo como se tivesse 80 antes dos 30! Não, pra mim não dá, eu gosto de sair, ver gente, falar com os outros e ele é totalmente bicho do mato, sabe? Mas vai gente, to falando demais, vamos começar." A professora se levantou em um pulo e disse um pouco mais alto "galera aí atrás, vamos, gente!"

A voz do Bruno Mars começou a sair dos altos falantes da sala, e os alunos, parados de frente pro espelho, esperaram as instruções da professora, que parecia andar nas nuvens com seus sapatos de sapateado.

"Vai gente, acompanha e 5, 6, 7 e 8" e com o ritmo empolgado de Cecília a aula se seguiu por uma hora, entre gargalhadas e os barulhos das chapas dos sapatos no chão, o rabo de cavalo da professora pulava e as argolas prateadas de suas orelhas refletiam a luz da sala.

Quando terminada a aula, enquanto os alunos tiravam os sapatos, pegavam suas bolsas e saiam da sala, uma das alunas mais antigas se aproximou da professora, que já voltara a disparar milhares de palavras por segundo, e a interrompeu perguntando:

"Cecília, você vai ao meu aniversário, né? Nesse sábado, acabou que você não confirmou" Clarissa perguntou enquanto arrumava seu cabelo castanho claro comprido em um rabo de cavalo bem alto

"Já tô lá Clarissa, não vou perder sua festa por nada nesse mundo" exagerou a professora.

"Nem você, né, Amanda? Já não foi ano passado..." perguntou a menina olhando para uma outra aluna e amiga próxima de Cecília, uma menina alta, com cabelos encaracolados na altura dos ombros e um piercing no septo.

"Relaxa, eu e a Ceci já combinamos tudo, confirmadíssimas!" sorriu a menina. Amanda puxou um assunto relacionado ao musical que Clarissa estrearia em alguns meses, perguntando sobre os ensaios e a preparação enquanto Cecília terminava de arrumar suas coisas. Enquanto isso, os outros alunos se despediam e saiam da sala aos poucos, deixando só Cecília, Amanda e Clarissa, tendo a última se despedido das duas mandando beijinhos no ar e saindo da sala com pressa. Cecília e Amanda apagaram as luzes da sala e caminharam juntas pela academia de dança.

"Amanda, nem adianta fazer essa cara de sonsa que eu vi seu risinho pra Cla, tá? Conheço bem essas suas intenções"

"Eu não tenho intenção nenhuma com ninguém dona Cecília, você que tá há tanto tempo sem nem beijar na boca que já tá vendo coisa."

"Garota você me respeita" disse a professora antes de rir alto "eu tô super aproveitando minha solteirice, ok?"

"Grande aproveitamento: ficou um mês beijando vários desconhecidos e de lá pra cá se transformou na pessoa que fica em casa fazendo maratona de filme da Disney com o gato todo fim de semana, o início da sua solteirice nem te reconhece mais"

"Ai Amanda, como você é exagerada" a professora foi interrompida antes de terminar a frase:

"Exagerada? Por acaso eu tô mentindo?" Perguntou a amiga forçando uma cara séria.

"Ah, mentindo não tá, mas também não é assim... e outra, o Abu é um ótimo gato e uma ótima companhia." as duas já tinham saído da academia a essa altura, andavam em direção a casa da Cecília, que ficava por perto "mas sério, Amandinha, acho que agora eu já tô bem de verdade, sabe? Finalmente cortei tudo que envolvia esse traste da minha vida, ele não vai me impedir de mais nada. Eu já tô pronta pra ter alguma coisa mais séria, tá na hora de balancear as coisas entre como eu tava há um ano e como eu tô agora"

Amanda fez cara de desacreditada "Só acredito quando te vir passando o roooodo na festa da Clarissa. Ou melhor" se corrigiu: "quando eu conseguir ver esse coraçãozinho aberto de novo, porque essa história de passar o rodo, até já rolou, por mais que já faça 84 anos."

Cecília riu alto: "Não é pra tanto também, me escuta" Cecília respirou fundo e começou sua forma favorita de explicar as coisas: por enumeração com ajuda das mãos, para frisar os fatos "primeiro que eu não vou passar rodo nenhum, segundo que minha última passação de rodo não faz tanto tempo assim e posso repetir QUANDO eu quiser, e terceiro, que não parece que sou eu que já tô de casalzinho grudadinha em ninguém." Debochou dando uma cotovelada fraca na amiga.

"Eu não faço ideia do que você tá falando." Falou Amanda tentando se manter séria.

"Ah mas é muito cínica, ainda tem coragem, primeiro que não é do que, é de quem e segundo que a senhorita maior-fã-de-musicais sabe muito bem do que eu tô falando" brincou Cecília, ganhando um riso tímido de resposta.

Pouco depois as duas chegaram ao prédio da professora "Tchau Ceci, te aviso quando chegar em casa. Ah, e se eu fosse você já treinava o beijo no copo de gelo porque deve estar com teia de aranha nessa boca aí, precisando de um alongamento, hora de se preparar pro fim de semana, amiga" Cecília riu alto da brincadeira e a disse pra ter cuidado na rua, antes de destrancar o portão do prédio e subir pro seu apartamento.

Já em seu quarto, Cecília se preparava para tomar banho enquanto pensava sobre a tal festa e a conversa que havia tido com sua amiga. Amanda a conhecia bem o suficiente para estar errada, depois do fim do casamento, Cecília decidiu sair todos os fins de semanas e ficar com praticamente todos os desconhecidos que se aproximavam, mas esse momento durou pouco, logo ela se afastou desses relacionamentos, tanto casuais quanto mais sérios, por notar que acabava se machucando nessas situações. Desde então, Cecília decidiu que tava na hora de se cuidar, ela continuou "saindo por aí" e vendo tudo o que gostaria de ver, apesar dais tais terem diminuído, e também passou a tomar mais conta de si, notando que, para ela, não era a hora de se relacionar com mais ninguém, era hora de colocar suas pecinhas no lugar. De algum curto tempo para cá ela vinha pensando em se abrir de novo, em ir com calma para não se machucar mas também não se proibir, esse poderia ser o momento.

Em outro compasso.Onde histórias criam vida. Descubra agora