VII - Uma mão amiga

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As declarações de óbitos chegavam diariamente pela manhã no jornal do pai de Marlene. Os cemitérios enviavam as folhas para que as mortes mais relevantes recebessem uma breve nota no miolo das folhas do jornal. Seu pai sempre olhava por cima, o nome de um empresário, médico ou advogado passava percebido, mas de prostitutas jamais.

Era nestes nomes que Marlene tinha interesse.

Annie, Catherine, Mary Jane.

O horário do enterro estava logo abaixo. 16 horas. Cemitério Nunhead. Era um bom ponta pé inicial para encontrar mais informações para sua investigação.

A região em que o cemitério Nunhead ficava era uma região que Marlene normalmente não frequentaria – seu pai nunca deixaria. A geografia expunha a desigualdade social, o crime, o abandono.

Marlene se perguntava o porquê de seu interesse no tal caso. Sentia que estava cansada; mulheres sempre sendo mortas, nada de novo. Mas havia algo maior, algo que ela nem entendia.

Londres sempre chovia. A garoa que enfeitava o cemitério e sujava a barra de seu vestido a impedia de enxergar com detalhes o pequeno velório ao redor de três covas. Três covas de três jovens mulheres mortas violentamente por nada.

Duas moças observavam os caixões sendo cobertos de terra molhada, o cheiro de barro e das lavandas jogadas junto aos corpos. Uma moça de longo cabelo castanho era consolada pela moça de cabelo alaranjado, abraçando-a como uma mãe.

Marlene sentiu um calafrio. Aquele toque. Marlene não lembrava da última vez que tinha sido consolada daquela maneira. Talvez nunca tivesse. Por um segundo invejou a mulher de cabelo castanho.

_ Com licença, posso interromper as senhoritas? - Marlene se aproximou das duas após os caixões estarem devidamente enterrados. - Meus pêsames.

_ Obrigada. - A moça de cabelo castanho respondeu enquanto engolia o choro.

_ Você as conhecia? - A ruiva perguntou, analisando Marlene. O olhar dela era penetrante e forte, como se nada mais a surpreendesse.

_ Não. Eu sou Marlene McKinnon, sou... - Marlene não sabia como se apresentar. Jornalista? Escritora? - Estou pesquisando os crimes contra as mulheres que estão acontecendo em série em Londres. E você é?

_ Lily. Lily Evans. E esta é Dorcas.

_ Se me permitem perguntar, onde as conheciam? - Marlene apontou com o nariz para os túmulos.

_ Do bordel. Éramos como irmãs. - Dorcas falou, enfim.

_ E quando perceberam que elas tinham sumido?

_ Lily não estava lá àquela noite. Eu estava entre as mesas e vi as três saindo juntas com um homem. E então elas não voltaram mais.

_ E quando as viu novamente?

_ Estavam mortas. - Dorcas fungou, segurando o choro. - Com sangue por toda a roupa e jogadas na rua.

_ Houve algum roubo, violação?

_ Não. Apenas os machucados das facas.

Marlene começou a juntar as peças. Estranho. Se a motivação do crime não era roubo nem estrupo, o que fazia aquele assassino agir? Vingança, puro sadismo?

_ Eu tenho que ir. - Dorcas abraçou Lily, se despedindo. - Foi um prazer conhecê-la, senhorita. McKinnon.

_ Marlene. Só Marlene. - Marlene sorriu, despedindo-se.

_ Se não se importa, eu tenho que ir embora também. - Lily começou a falar, os olhos verdes até então fixos nos três túmulos finalmente levantando-se até encarar Marlene.

Gaslight - Os Marotos na Era VitorianaOnde histórias criam vida. Descubra agora