Foi depois de morrer que eu vivi

alucinações de um cadaver sangrando pela rua

Cansei de ser morto
Porque um morto nada pode fazer
Um morto apenas assiste ao próprio sofrimento
E permanece parado sentindo seu corpo apodrecer.
Mas o morto nada sente
Por mais que tente ele já usou todos os seus sentimentos enquanto estava vivo
E agora que morto está já não pode viver
Mas nem sempre viver é um privilégio
Apodrecer de dentro pra fora é pior que apodrecer sem saber

O meu corpo frio caminha pelas ruas da cidade
E minhas lágrimas frias caem no asfalto plantando espinheiros
E enquanto os carros não passam as pessoas caminham
Mas ninguém me vê andando na rua
Já nem me esforço mais pra chamar a atenção
O meu ego agora é uma arma contra mim mesmo
E enquanto meu corpo afunda lentamente no rio eu penso no quanto eu fui feliz enquanto estava vivo
E me arrependo por tudo que eu deixei de me arrepender enquanto podia fazer alguma coisa

O meu corpo hemorrágico sangra pela escada
E cada gota de sangue que cai no chão não deixa rastro
E enquanto o meu corpo cai da janela do oitavo andar
As pessoas cinzas normais contam seus dias.

Percebi que tenho sangrado de mais, pois é caro amigo latino-americano, igualzinho aos nossos pais e os pais dos nossos pais.

Renato, tentei chorar mas não consegui.
Eu vendei meus olhos pra não ver a realidade desse mundo e acho que me perdi na minha alucinação
Agora me parece que as ilusões estão por todas as partes e quanto mais penso que estou vendo claramente mais me pergunto se eu já tirei a venda dos meus olhos.

Eu vejo você me chamando com seus olhos tentadores, vejo na minha frente toda a minha pilha de ouro que tenho procurado durante toda a vida.
Mas quando toco percebo que minhas lágrimas desenharam no fundo do pano os meus desejos.

Talvez eu não queira nem mais deixar estar
Talvez eu não queira nem mais deixar sangrar