Primeiro

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O dia sempre fez parte dos meus momentos mais convenientes, mais relaxantes e mais satisfatórios. O sol por entre as nuvens, daquele do tipo que não bate diretamente sobre o meu rosto e cega a vista, mas que amorna a minha pele quando o vento ligeiro tenta tomar meus cabelos pra si. A sensação de quietude é impagável. 

Porém agora já passava das nove da noite e eu ainda estava no meu horário de trabalho, eu dizia que era bom assim pois poderia aproveitar mais o dia — mesmo com toda essa atmosfera pesada que me rodeia, desse mutirão de olhos sobre mim fazendo com que eu me sinta um animal exótico dentro de uma metrópole. É tenebroso. Alguns diziam que vivo esses momentos suportáveis por escolha, esses geralmente não sabem o que pesam.

Trabalho cinco dias por semana em uma boate, das dez até às duas ou três da madrugada. Danço e sirvo drinks basicamente, para empresários cheios de si e maridos infiéis que não sabem lidar com as responsabilidades de um casamento. Ao contrário de mim, que tenho a obrigação de saber lidar com assédios carregando o máximo possível de autocontrole.

A boate está noite está lotada, claro, é um domingo quente e proveitoso, seria quase impossível a ausência de qualquer cliente que seja. Por sorte fiquei no bar quase que a noite toda, ajudando a limpar o balcão quando necessário e como sempre, enchendo e esvaziando bandejas.

Do outro lado do balcão, Kabila não desgruda seus olhos de mim, posso estar de costas mas sempre sei quando sua atenção está presa em minhas expressões e em cada gesto meu, por mínimo que seja. Ela sabe quando estou cansada, sabe quando quero correr daqui e sabe que suas investidas à sexo ou à um relacionamento sério, resumido em sexo, – talvez – nunca darão em nada.

Apoio meus cotovelos na bancada assim que volto da mesa 17, ela apoia suas mãos e ficamos tão próximas que consigo enxergar o meu reflexo em seus olhos. Os refletores nos tingiam de vermelho. Kabila ergue a sobrancelha como sempre fazia quando me lança aquele tão ilustre sorrisinho cheio de charme.

— Hoje é sábado. – disse o óbvio, sei o que o vem depois.

— O que é maravilhoso, significa que falta apenas mais uma noite para a minha folga.

Sua atenção caí sobre o decote do meu vestido e ela morde o lábio. Nunca passou disso, seus toques, digo, eles nunca passaram dos abraços que levianos se tornaram meu refúgio.

— Você sabe do que eu estou falando, loirinha. – eu ri. Me pergunto quando ela desistiria. — eu, você, sua cama ou o meu colchão, tanto faz... o importante é os inúmeros planos que podemos concluir sobre ela.
Fecho os olhos, nego com a cabeça. Me curvo para pegar a garrafa de uísque atrás do balcão, ela se abaixa e sussurra ao meu ouvido.

— Poderia pensar nisso.

— Poderia me deixar trabalhar, Rizos!

Quando volto, ouço sua gargalhada. Ela brinca muita, quase na mesma intensidade que se revolta – principalmente com os clientes.

— Eu gosto da sua cara toda vermelhinha, é engraçado. – preciso olha-la para provar que estava falando sério. Arqueio a sobrancelha, tentando não achar graça do seu sorriso. É lindo, ela é linda, eu que sou a própria confusão mascarada. Ela se rende e se afasta. — olha, tá bom, não vou mais te incomodar.

— Obrigada.

— ... por enquanto.

Meu turno estava quase no fim, não havia mais mesas para ir e nem mais copos para encher. Numa delas em frente ao palco, alguns senhores, velhos demais para estarem aqui e bêbados demais para não se importar com as próprias cabeças jogadas sobre as mesas, eram dispensados pelos seguranças. Em outra mesa, na qual acabei de voltar com um copo cheio e dispensável de conhaque, um homem sozinho tentava convencer uma transa casual com uma das dançarinas.

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