Cinzas - Trilogia Fênix vol. 1

Capítulo 3 - Seja Bem-Vinda

Ar, em lufadas constantes e pesadas, entrava e saia de meus pulmões, tão sensíveis, que parecia algo áspero me arranhando de dentro para fora. A respiração foi se tornando mais e mais rápida, saindo por meu nariz e boca as presas, meu coração dava saltos acelerados, tudo doía, mas aquela presença se acercava, me encurralando em um estado de torpor. Enquanto meu corpo gritava para fugir num instinto de desespero de uma corsa diante da besta, calafrios corriam minha espinha, aprisionada naquele corpo, tomado por tremores, mas tão descoordenado quanto um recém-nascido.

Medo puro e tangível, tão fraca e frágil, tão pequena diante do ser mortalmente poderoso, um ser capaz de tudo, e era sua completa fúria e desgosto que estagnava o ar, toneladas de uma aura sombria, apagava tudo envolta. Frio, seus olhos queimavam, mas eram frios, "eu iria morrer" tudo em mim dizia, clamava.

Ainda assim, mesmo assim... minha alma surda, ignorava o que estava a minha frente. Contraditória, ela se atraia profundamente naquele olhar, âmbar, ouro incandescente, o fogo de uma forja. Tudo quem eu sou era atraído, um asteroide ínfimo se lançando contra o próprio sol. Engolindo, tragando toda aquela existência e se perdendo ali. Minha alma, todo meu espírito estava visceralmente ligado a aquele ser... "Quem é ele?"

De repente o local se ilumina, uma tenda é onde estou, e como a luz entra por ela, o ar volta aos meus pulmões, o olhar foi quebrado quando aquele ser... homem? Desvia os olhos para quem entrou.

Um homem pequeno e parrudo, de proporção diferente, pouco maior que a mesa ao seu lado, próximo a entrada, agora coberta de novo. Um anão, é isso que ele é, mesmo baixo, e coberto de couro e peles de animais marrons, era largo de músculos, duros como uma rocha, dissonante do rosto marcado pela idade e sol, com cicatrizes violentas em suas orelhas, têmpora e nariz, parcialmente coberto por longos cabelos e barba grisalho cheios de finas tranças que os prendiam.

O velho anão me olhou de forma curiosa antes de se voltar a seu senhor, era claro a posição de respeito e subordinação diante daquele ser presente. Palavras ríspidas foram trocadas, vozes graves e irredutíveis. Uma na sua sabedoria e outro na sua fúria e ódio, e talvez uma solidão contida? Por que eu parecia ser tão sensível a esse homem, ao ponto de ser uma intrusão para nós dois. Ele não parecia dar indícios disso.

As palavras que falavam eram desconhecidas por mim, até que o de olhos ambares encerrou a discussão, o anão conteve toda sua razão. Respirou fundo, veio em minha direção, eu que ainda continuava ali congelada, só respirando, sobrecarregada de tanta informação que nem sabia por onde começar processar. Ele me agarrou pelo braço, o aperto firme sem machucar, e me arrastou como um peso morto, um saco de batatas, lona afora. Senti aqueles olhos me seguindo, a visão de um alvo pelo jeito. Aquele homem era perigoso, de meio rosto desfigurado e presas de metal, era perigoso além da compreensão.

***

Ai! Como tudo doía, o sol escaldava minha pele, o vento passava arranhando, e o chão moía meus pés, e não o contrário. Muitos sons ali fora, era quase insuportável. De olhos fechados, fui conduzida a outra tenda, e ainda com eles cerrados pela intensa dor de cabeça, fui vestida. O anão não era delicado, pelo menos era ágil, e silencioso, como se de primeira percebeu que eu não poderia compreende-lo e sons só iriam me perturbar mais.

Me sentou numa cadeira rija, colocou um copo em minhas mãos unidas e as conduziu a minha boca, num incentivo quase que gentil. No momento que ia entornar o liquido, sedenta por água, senti o fedor daquilo, e antes mesmo de poder reagir e atirar fora aquela gosma, o homem apertou meu maxilar, forçou minha boca aberta e com a outra mão levou o copo de uma vez, para não me afogar engoli tudo. Quando comecei a tossi e ter ânsias, ele jogou a benção de uma água fria na minha boca e rosto para depois me entregar o copo comprovado cheio de água, e esperou enquanto eu me acalmava e bebia tudo.