Capítulo 4

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Assinaram-se os papéis e então olhou para Wheein . Apontou com a cabeça para a saída, indicando para irem embora.  Começou a andar e sentiu seu pulso sendo segurado.

- Tem certeza que quer ir agora? – Ouviu-se a voz e não precisou pensar muito pra reconhece-la. Hyejin se virou para o médico e sorriu sem graça, negando.

- Já passei quatro anos aqui, acho que já fiquei tempo o bastante. E o senhor me liberou, não?

- Sim, você parece ótima. Mas.. Acho que seria melhor você ficar por mais alguns dias. – Soltou o pulso da mais baixa e repousou suas mãos no bolso de seu jaleco, limpando a garganta em seguida.

- Vamos fazer assim, se eu me sentir ruim eu volto, ok? Mas agora eu preciso ir, de verdade. Eu quero tentar recuperar minha vida de volta o quanto antes.

- Mas, veja bem, você acordou fazem apenas algumas horas! E se algo acontecer?

Wheein os observava e cochichou, um baixinho "Te espero no carro". Saiu do hospital e foi direto para lá. Entrou e bateu levemente a porta. Limpou seus olhos e suspirou fundo, jogando a cabeça para trás. Estava se sentindo da mesma forma que sentira há cinco anos, quando conheceu Hyejin. Sentiu as famigeradas borboletas no estômago e aquela ansiedade na garganta. Passou as mãos no rosto e sentiu suas bochechas queimarem. Riu soprado. -Já fazia um tempo que não se sentia assim, em paixão.- Seus sentimentos por Hyejin foram acesos novamente e pelo visto, não seriam passageiros como gostaria. Queria tanto que parasse de gostar dela, afinal, já estava com Moonbyul. Estava se sentindo uma traidora, mas, o que poderia fazer? Não mandava no seu coração.
Fora acordada de seu transe com tapas sob o capô do carro. Era Hyejin, resmungando, e estalando os dedos freneticamente para que ela abrisse a porta. Limpou a garganta e se ajeitou. Passou o cinto e destravou o carro, tateando então o bolso, procurando as chaves.

- Ficou maluca de me deixar lá sem nem me avisar? Você achou que eu reconheceria o carro? Eu só te achei porque o estacionamento tá vazio! – Exclamou e entrou no carro, estalando a língua.

- Eu... Esqueci. Desculpa. – Olhou para Hyejin de relance e limpou a garganta, se ajeitando no banco. Ligou o carro, começando a dirigir. – Para onde vamos?

- Eu sei lá. Me leva pra um café.

- Vamos fazer o que lá?

- Churrasco. – Hyejin rolou os olhos. – Conversar, óbvio. Já se esqueceu do nosso acordo?

- Por que você tá sendo tão grossa? Uns minutos antes você estava sendo tão gentil comigo. Desenvolveu bipolaridade? – Wheein a olhou de relance e riu fraco, parando de rir assim que não obteve uma risada como resposta, limpando a garganta, sem graça.

- Cala a boca e dirige, me da um desconto. – Suspirou e cruzou os braços, olhando pela janela.

- Eu quero quebrar o gelo entre nós. Qual é! Quatro anos sem poder te abraçar, beijar, ou até falar com você... Eu... Só to animada.

- Pode ir tirando seu cavalinho da chuva. Eu nem lembrava que sou lésbica. De tudo e todos, você é quem eu pior recordo.

Wheein apenas suspirou e concordou. Aquilo doeu. Bem no fundo. Sentiu um aperto no peito e ficou em silêncio. Sentiu vontade de chorar igual uma criança ali mesmo. Precisava desencanar dessa ideia o mais rápido possível. Hyejin e ela não voltariam, nunca. Até porque tecnicamente elas nunca nem existiram para a mais nova. Sentiu-se descartada e jogada no lixo. Sabia que não era culpa de nenhuma das duas, mas, mesmo assim, ainda carregava o peso nas costas de tê-la deixado, e sabia que Hyejin tiraria proveito disso para pedir o que quisesse, e como tinha um coração de gelatina, concordaria com tudo.

Logo sentiu-se o carro estacionar e desceram dele. Hyejin deu a volta e olhou pra cima, lendo o letreiro do estabelecimento logo a frente. Bear's Café. Arqueou brevemente as sobrancelhas e andaram até lá. Deixou Wheein pedir e se sentou numa das mesas próximo ás janelas, juntando suas mãos, as deixando entre as pernas pelo vento gelado que entrou no lugar quando entraram. Era um café aconchegante, tinha de admitir. Suspirou e logo pôde ver Wheein se sentar a sua frente, colocando dois cafés sob a mesa.

- Do que é? – Levantou as mãos e o pegou, olhando para a embalagem.

- Latte cremoso, seu favorito. – Wheein a olhou e abriu a tampa de seu copo, dando alguns goles. – Se quiser pedir algo pra comer pode pedir também.

- Não... Eu tô legal. – Olhou para Wheein e fez o mesmo que ela. Tirou a tampa e bebeu. Passou a língua na boca ao finalmente engolir e sentir o delicioso gosto do café de novo, depois de tanto tempo. Limpou o pequeno bigode de creme que havia se formado sob seus lábios e sorriu fraco. Limpara a garganta ao notar Wheein encarando-a, sem nem ao menos esconder o sorriso descarado enquanto ainda bebia seu café. – Precisamos fazer outro acordo. - 

- Qual? – A olhou, bebendo.

- Você vai me deixar dormir na sua casa. – Wheein se engasgou e arregalou brevemente os olhos, tossindo. Abanou o rosto assim que sentiu o café queimar suas narinas. Pegou um guardanapo de papel e limpou a boca. – Eu não vou te matar, relaxa. - Acrescentou.

- Como assim, dormir na minha casa?

- Onde espera que eu durma? Na rua? Eu não tenho dinheiro pra ir num hotel ou coisa do tipo. E eu acho que a gente já morava junta, né?

- Mas... E minha namorada?

- Dane-se sua namorada, você não vai me trair com ela mesmo. Vai topar ou não? Por que você precisa da aprovação dela pra tudo? Que coisa mais chata.

- Eu... Certo. Mas só até você arrumar um lugar. – Limpou as lágrimas causadas pela queimação e deixou o café de lado, olhando-a.

- Duvido muito. Pra isso eu preciso de um emprego, e onde vou trabalhar se não me lembro de nada?

- Tá, tá, toma seu tempo. Pode começar a me perguntar agora.

- Perguntar? Não. Você vai me contar tudo que você sabe sobre mim. – Wheein a olhou com uma cara de dúvida e recebeu um rolar de olhos, suspirando. – Eu nem sei quando é meu aniversário, que tal começar por ai? Anda.

- Eu... Certo. Você faz aniversário dia vinte e três de julho e agora tem trinta e oito. Você nunca me contou sobre seus pais ou família porque não gostava de tocar no assunto... - Parou de falar e a olhou, esperando que aquilo fosse o suficiente. Se encararam por alguns instantes. 

- Então eu só brotei aqui? Fala mais!

- Não, você é de Seoul. Veio pra Busan a trabalho seis anos atrás e decidiu ficar. É...Você gosta de flores. Rosas, pra ser mais especifica. Sua cor favorita é amarelo e você gosta de todas as frutas, menos goiaba. Uhm... Ah, você sabe tocar ukulelê e tocava pra mim quase toda noite... – Wheein sorriu sem perceber, se lembrando dos momentos únicos e especiais que tiveram juntas. Segurou o copo de café com ambas as mãos, deixando-o sob o colo. Passou a língua entre os lábios e suspirou, continuando a falar. – Você também escrevia às vezes. Poemas... Tem alergia a pelo de cachorro. - Fez uma breve pausa, pensando um pouco. - Não tem CNH pra carro, mas sabe pilotar uma moto. Hã... Antes de ser secretária era fotógrafa e o tipo de ensaio que você mais gostava de fazer eram os de casamentos. Você também gostava de pintar o cabelo às vezes. Quando o acidente aconteceu, você tava com ele laranja, na altura da orelha. – Alisou o material do copo com o dedão, limpando o nariz, subindo os olhos então, olhando a mais nova.

Hyejin esperou mais alguns segundos, achando que Wheein falaria mais alguma coisa. Piscou, finalmente, após ouvir tudo aquilo. Passou a mão no cabelo, sentindo novamente o comprimento como mais cedo. Ainda estava processando tudo.

- E... Onde estão minhas coisas? É impossível eu só ter meu celular, né?

- Na minha casa. Ou melhor, na nossa casa. Foi você quem me chamou pra morar com você, eu... Acabei ficando lá... Suas coisas estão no sótão numas caixas.

- Ah, entendi. Eu iria voltar pra lá de qualquer jeito então. – Limpou a garganta, terminando de beber o café. Olhou a mais velha e percebeu sua tentativa de conter uma risada. Arqueou a sobrancelha – O que?

- Aqui. Tá sujo. – Wheein deixou seu copo sob a mesa e se levantou um pouco, se inclinando sobre a superfície. Passou o polegar acima do lábio de Hyejin e parou por um momento. Trocaram olhares, igual a primeira vez. A mais nova sentiu suas bochechas queimarem e empurrou a mão da outra levemente, limpando a garganta em seguida. Viu-a lamber o dedo e rir fraco, voltando a tomar de seu copo. – Não fica com essa cara, eu só tava-

- Como o acidente aconteceu? Foi do nada? – Hyejin a cortou e cruzou os braços, descansando as costas no assento.

- Não... Alguém sabotou o ônibus. Quem quer que seja, queria que o acidente acontecesse ou matar alguém em específico. Mas não descobriram quem foi até hoje. – Olhou pra mais nova e terminou de beber, fechando o copo de novo.

- Ah... - Fez-se uma pausa. - Vamos então, quero pegar minhas coisas pra ver se me lembro de alguma coisa.

- Ei, espera. Você realmente não se lembra de nada?

- Não. É confuso. Eu não lembrava quem eu sou ou as pessoas que eu conheço, mas lembro das coisas que fiz um tempo antes do acidente. – Olhou pra Wheein, que apenas concordava com a cabeça como se dissesse para que continuasse a falar. – Ah... Tipo.. Eu me lembro de ter ido no cabeleleiro e ter cortado, bem curto, mas não me lembro de ter pintado. São tipo borrões, e partes picadas... – Pensou um pouco, olhando para a outra então.-  Me da as chaves, vou te esperar no carro.

Wheein suspirou e fuçou o bolso, a entregando. Ambas se levantaram e tomaram caminhos diferentes. Enquanto Wheein ia ao caixa pagar, Hyejin fora até o carro.
Olhou para o controle e hesitou em qual botão apertar. Não se lembrava qual destravava. Apertou um deles e ouviu um estalo, dando um pequeno pulo. Olhou ao redor e viu a porta mala um pouco elevado. Bufou. Foi até a traseira do carro e bateu o capô. Apertou outro botão a risca e ouviu as travas sendo levantadas. Sorriu fraco e foi até o banco do passageiro. Entrou e passou o cinto. Deixou as chaves no outro banco e pensou por alguns instantes. Pegou o celular e procurou por notícias sobre o dia de seu acidente. Deveria ter algo, já que parecia ter sido uma coisa grande. Clicou na primeira matéria que viu e passou levemente os olhos sobre as inúmeras linhas, deslizando o dedo para cima um tanto quanto impaciente. Parou de rolar a tela quando viu uma foto do ônibus. Arregalou os olhos e viu um clarão. Acabara de se lembrar de momentos depois da batida ocorrer.
Ouviu-se primeiro um zumbido, em seguida, gritos abafados e então, o fogo corroendo pedaços de metal. Seu corpo tremia como nunca, e, sua visão jamais esteve tão turva. Piscou algumas vezes e abriu totalmente os olhos. Olhou para os cacos de vidro próximos ao seu rosto e então, olhou para sua mão. Esfregou seus dedos, sentindo o sangue. Usou toda sua força para levantar a cabeça, e, avistou alguém. Estava tão escuro e tão confusa que não conseguira ver seu rosto, mas, tentou pedir ajuda. Estendeu sua mão e, em seguida, fechou os olhos novamente.

Olhou pro celular e viu uma gota cair sob a tela. Aparentemente não era a primeira. Estava chorando sem nem perceber. Levou a mão até a boca e suspirou fundo, desligando o aparelho. O colocou sobre o colo e juntou seus joelhos sobre o banco, começando então a chorar.

- Desculpa a demora, a moça não tinha troco, foi engraçado. – Wheein entrou no carro e riu fraco. Olhou para o assento, viu o celular da mais nova e o pegou junto das chaves, ainda rindo. O riso fora cortado instantaneamente quando se deu conta do estado de Hyejin. Jogou as coisas nos assentos de trás e agarrou seus ombros – Hyejin? O que aconteceu? Você tá com dor? Quer ir pro hospital? – Wheein não obteve resposta, apenas viu a mais nova olhar fixamente para frente, e suas lágrimas escorrendo. Wheein segurou seu rosto e o virou para si, forçando Hyejin a olhar para ela. Não disse nada, apenas abraçou a mais velha. Afundou os olhos em seu peitoral, e, ali chorou. Muito.
Wheein arregalou levemente os olhos e recuou de primeira, com medo de acabar pisando na bola, de qualquer jeito que fosse. Mas pensou um pouco, e fez o que qualquer um faria. A abraçou de volta. Era seu primeiro ato carnal com ela desde muito tempo. Sentiu falta de seu cheiro, de seu toque, de sua pele em contato com a sua. Suspirou num instante de alívio, e então afundou seus dedos em seu cabelo. E ficaram assim por alguns minutos, com alguns apertos aqui e ali.

- Desculpa. – Hyejin levantou o rosto e a olhou, se soltando dela então. Tussiu, numa tentativa de limpar a garganta e passou as mãos no rosto, tentando limpá-lo.

- Não... Tá tudo bem. Quer me falar o que aconteceu? – Olhou-a e viu cruzar os braços, um tanto quanto receosa. – Sabe que pode confiar em mim.

- Eu me lembrei.

- Do que?

- Do acidente. Um pouco depois dele. Eu lembrei. – Se entreolharam. Wheein mordeu os lábios e permaneceu em silencio, tentando buscar palavras que a reconfortasse, e falhou. Hyejin retomou a fala. – Eu vi alguém antes de desmaiar. Ele não me ajudou, mesmo eu tendo estendido minha mão. Ele... Foi embora e me largou lá pra morrer.

- Eu... Nossa.

- Só... Dirige pra sua casa. Minha. Nossa. – Se corrigiu e se ajustou no assento, colocando seu cabelo ao lado do pescoço.
Wheein a olhou e se segurou pra não sorrir, concordando. Esticou seu braço para trás e pegou as chaves junto do celular, o dando para Hyejin de volta. Deu a partida no carro e se ajeitou, começando a dirigir. Ficaram quietas o caminho todo, mas sua mente gritava apenas uma frase: "Esquece essa de deixar a Hyejin ir, eu vou ter ela de volta."

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