Capítulo 5

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O silencio dentro do carro era ensurdecedor, ao mesmo tempo em que silencioso, era barulhento. Precisavam falar de algo ou se distrair, senão suas cabeças seriam tomadas por pensamentos. Pensamentos ruins.

- Com o que você trabalha? – Hyejin finalmente se pronunciou. Pôde ouvir Wheein suspirar de alívio, rindo fraco em seguida.

- Eu? Hã... Numa creche. Eu cuido das crianças. Mas aconteceram umas coisas e... To de licença por alguns dias. – A olhou e sorriu de canto, voltando a olhar pra estrada. Firmou suas mãos no volante. Não queria que Hyejin soubesse, de cara, que fora demitida, principalmente por um motivo incrivelmente idiota. Não era sua culpa que confundira dois bebês e entregou-os trocados para os pais... Se nem eles reconheceram seus próprios filhos, por que ela o teria de fazer?

- Tá mentindo.

- O que? Não!

- Sua expressão corporal não concorda com o que você diz. – Hyejin a olhou e riu soprado, cruzando os braços.

- Não to mentindo. – Estalou a língua e negou, apontando com o queixo então – Olha, chegamos. – Desligou o carro e saiu dele, ajeitando sua jaqueta.

Esperou Hyejin e andou até a porta principal com ela. Destrancou-a e deu espaço para a mais nova entrar, que adentrou lentamente a casa, analisando detalhe por detalhe.

- Mudou alguma coisa aqui desde que eu fiquei no hospital? – Olhou ao redor e passou brevemente os dedos sobre a parede, onde havia alguns retratos pendurados.

- Quase nada. Só troquei o sofá porque tava quebrando de tanto meus sobrinhos pularem. Ah, As fotos também. Fora, nada. – Pendurou as chaves e foi atrás de Hyejin, andando junto de si.

- Quem são essas? – Apontou.

- Minha família, uma foto só com as mulheres. Foi você quem tirou essa foto, aliás. – A olhou, rindo fraco. – Mas elas não sabiam que eu era lésbica, então você foi nesse encontro como uma amiga bem íntima.

- Nossa. – Riu fraco, olhando ao redor. – Essa é a sua namorada agora? – Apontou novamente, mas dessa vez, com o queixo.

- Sim. Moonbyul.

- Você se livrou de todas as nossas fotos? Porque eu tenho certeza que você tinha várias, já que você é brega.

- Claro que não! Eu nunca faria isso! – Negou e analisou todas as fotos, pegando uma que estava junto de Moonbyul. Abriu a moldura e tirou a parte exterior, dando para Hyejin segurar. Tirou a foto e colocou o porta retrato entre as pernas. – Olha aqui. – Procurou a ponta da foto e a puxou algumas vezes com a unha, desgrudando, então, outra foto da que estava amostra.

- Uau...

- É... Moonbyul queria que eu me livrasse de todas as nossas fotos pra ''não relembrar o passado. '' Mas eu escondi algumas.

- Eu nunca pensaria nisso. – Riu fraco e encarou a foto por alguns instantes. Na imagem, estavam abraçadas, e Wheein lhe dava um beijo na bochecha. – Quando foi isso?

- Nosso terceiro aniversário de namoro, um tempinho atrás. – Sorriu olhando-a e suspirou mais uma vez, voltando as fotos na moldura. Encaixou-a e colocou de volta na parede.

- Essa Moonbyul me odeia?

- Eu não sei. Na verdade acho que vocês eram amigas. Só é o jeito dela. – Balançou os ombros e olhou para Hyejin. Pegou sua mão e puxou-a consigo até seu quarto. – Até você conseguir roupas novas você vai usar as minhas.

- Hein? Não! Não precisa, eu me viro.

- Cala boca, deixa eu te ajudar. Se coloca no meu lugar, você não faria o mesmo? – Abriu seu armário e pegou algumas roupas, junto de uma toalha.

- Não...? Você ta colocando muita confiança em mim, como sabe que não vou te matar ou coisa do tipo? Ou que eu sou doida?

- Você não sabe nem passar manteiga no pão sem se cortar, acha mesmo que vai conseguir matar alguém? – Riu fraco e foi até ela, dando as roupas pra ela. A virou e empurrou até o banheiro, abrindo a porta. – Toma um banho.

- Mas...

- Mas nada, vai. – A empurrou para dentro do banheiro e fechou a porta. – Qualquer coisa me chama. – Sorriu fraco e hesitou por alguns momentos largar a maçaneta, mas logo, assim o fez, indo para a sala, se sentar.

Suspirou aliviada. Nem poderia acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Deu leves tapinhas nas coxas e sentiu seu celular vibrar continuamente. Tateou os bolsos, pegou e virou-o, vendo o nome no visor. Limpou a garganta, atendendo.

- Oi, amor. Aconteceu alguma coisa?

- Esse amor saiu mais apaixonado do que nunca. – Riu fraco. – Não. Só terminei as coisas aqui no trabalho e fiquei sem o que fazer, resolvi te ligar já que você saiu disparada essa manhã. Aliás, o que era?

- Não sei se você vai querer saber... Mas vou ter que te contar de qualquer jeito mesmo, então...

- Puts, o que aconteceu?

- Hyejin acordou.

- Te ligaram?

- Não.

- Ela te ligou...?

- Não...

- Você foi lá então? Por quê?

- Você sabe que eu ia ir de qualquer jeito hoje Moonbyul, não faz a tonta. – Bufou e cruzou os braços. Tirou os sapatos e apoiou ambos os pés sob a mesa de centro. Passou a encarar a porta do banheiro.

- Pra que? Você não deveria ter ido. Na verdade, deveria ter parado de ir assim que começamos a namorar. Mas enfim, deu em que?

- Ela... Vai ficar uns dias com a gente. Já conversamos e tal... Ela ta tomando banho agora.

- Ta me zoando, né? – Ouviu-se um riso soprado, seguido de um estalo de língua. – Como você faz isso sem nem me avisar antes? Por que liga tanto pra ela? Parece até você prefere ela a mim.

- Talvez eu prefira. – Disse, suavemente. Arregalou os olhos quando percebeu o que havia dito e deu um tapa em sua própria testa, mordendo o dedo em seguida. Apertou os olhos. A linha ficou em silencio por alguns instantes, até ouvir um suspiro vindo da mais velha.

- Acho que deu falha, da pra falar de novo? Não entendi o que você disse.

- Eu disse... Talvez eu interfira. Sim. Interfira na vida dela e essas coisas. – Mordeu os lábios e ouviu a porta do banheiro destrancar. Abriu os olhos e viu Hyejin sair de lá com uma toalha enrolada na cabeça. – Preciso ir agora, te vejo mais tarde. Beijos.

Desligou o celular, jogou-o ao seu lado e se levantou, indo até a mais nova. Sorriu fraco.

- Tava falando com quem?

- Moonbyul... Vou te dar o secador.

- Ah... Não precisa, eu deixo ele secar sozinho.

- Nesse frio? Não, você vai gripar. Eu seco pra você então, vem. – A puxou pelo pulso até o quarto novamente e a sentou na cama. Pegou a escova, dobrou as mangas de sua blusa e sentou ao seu lado. Começou então a pentear os longos e negros cabelos da amada, começando pelas pontas, subindo gradualmente e de forma sutil. Não queria a machucar.

Hyejin apenas baixou a cabeça e olhou para suas mãos, engolindo em seco. Levantou o queixo assim que seu pescoço começara a doer e endireitou sua postura, analisando o quarto com mais calma apenas com os olhos. Manteve o olhar fixo numa Polaroid que estava escondida numa brecha do guarda-roupas. Apertou um pouco os olhos e viu uma foto de um casal aleatório. Provavelmente era sobre sua antiga profissão que Wheein havia citado. Coçou o pescoço e em seguida seu antebraço, o olhando então. Arregalou os olhos ao perceber uma tatuagem ali.

- Eu tenho tatuagens?! – Exclamou. Wheein deu um pequeno pulo e se inclinou pro lado direito, olhando a tatuagem a qual ela se referia.

- Tem. Seis, pra ser mais exata.

- Hein?! – Se virou pra ela, arregalando levemente os olhos. Wheein riu e se endireitou, pegando o braço direito da mais nova.

- Essa, que tá escrito "Paradise is where you are". Aqui, ''Triqueta''.Levou a mão até sua nuca, tocando-a. – Aqui tem ''María'', seu nome de batismo. – Deslizou mais um pouco pelo seu pescoço, o tocando novamente – Aqui ''Caddo''. – Tirou delicadamente sua mão de lá e pegou a da mais nova, abrindo entre seus dedos. – E aqui, ''Resonant and Planetary''. Ah, você também tem uma nos dois tornozelos, escrita ''Ressonance''.

Hyejin arregalou novamente os olhos e se levantou, indo até o espelho, conferindo as tatuagens no pescoço e olhando as de seu braço e mão.

- Você... Também tem?

- Sim. Quase todas as mesmas que você porque fizemos juntas. – Wheein a olhou e riu fraco, puxando seu cabelo pro lado e mostrando a de seu pescoço. Levantou-se e mostrou a de seu tornozelo e em seguida, as restantes. – Foi divertido.

- Nossa... Não sei como fui perceber só agora.

- Você é meio distraída. – Riu fraco, olhando-a. – Vou ir pegar o secador pra secar seu cabelo.

- Não... Não precisa. Eu tenho quase trinta, faço isso sozinha. Obrigada. – Sorriu sem graça e foi até o banheiro. Não esperou Wheein dizer onde ele estava e fechou a porta.
Suspirou fundo e fuçou nas gavetas abaixo da pia, encontrando-o. Colocou na tomada e começou a secar seu cabelo, ainda olhando para a tatuagem em seu pescoço.
Tudo parecia tão estranho, mas tão familiar ao mesmo tempo. Tão novo, mas tão velho. Tão agitado, mas tão calmo. Tão barulhento, mas tão silencioso.
Não tinha palavras pra descrever o que sentia. Estava prestes a dormir na casa de uma não-estranha. Era a única em que até agora pelo menos podia confiar. Como iria recuperar sua vida se sequer se lembrava de sua própria identidade? Não se lembrava nem sequer se tinha uma família, e era justamente isso que estava martelando em sua cabeça. Não havia dito nada á Wheein sobre e até o momento, só tinha ela. Ou seja, era um tiro na escuridão. Era simplesmente impossível não ter uma mãe, pai, ou quem sabe uma tia-avó que havia a criado no lugar dos pais. Será que fora abandonada num orfanato e saiu de lá somente depois que completara a maioridade? Ou que talvez tivesse tido uma briga feia com seus pais e saíra da cidade para começar uma vida longe deles? Era muitas possibilidades... Talvez fosse num cartório ou na prefeitura mais tarde procurar mais sobre suas origens, isso poderia esperar, ao menos, um pouco. Tinham coisas mais importantes pra se preocupar a respeito no momento, começando pelo fato de que precisava arrumar um emprego.
 Não queria ficar na casa de quem acabara de conhecer e também, pagar uma conta altíssima de quatro anos no hospital, já que aparentemente seu plano de saúde não cobria. Conseguiu conversar um pouco com a recepcionista no momento que estava indo embora e ela pôde confirmar que Wheein se comprometeu a pagar tudo, mas não poderia fazer isso. Não iria prejudicar o bolso dela. Riu sozinha pensando sob o quão gentil ela estava sendo. Cogitou baixar a guarda e dar bandeira branca por alguns instantes, mas, não. Prometeu a si mesma que não iria fazer isso lá mesmo, no hospital.
Desligou o secador e pegou a escova no suporte sob a pia, desembaraçando seu cabelo. Ajeitou a ondulação e guardou o secador, saindo de lá. Olhou ao redor e se assustou brevemente com Wheein encarando-a.

- Hã...Oi...?

- Tinha esquecido como seu cabelo é bonito. – Riu fraco. – Ah, enquanto você tava secando o cabelo, eu subi no sótão e peguei as caixas com as suas coisas. Estão na sala.

- Sério? Obrigada! – A olhou por alguns segundos, pensando um pouco. Deu um pequeno selar na bochecha da mais velha e sorriu fraco, indo até lá então. Wheein ficara no corredor, sorrindo igual uma tonta. Colocou sua mão sob a pele beijada e apertou brevemente, começando a acariciá-la. – Não quer vir também? – Ouviu vindo de Hyejin e riu boba, virando-se. Começou a saltitar até a sala.

Hyejin se sentou no sofá e pegou a primeira a caixa do chão, colocando-a ao seu lado. Bateu a mão sob o papelão, tirando um pouco do pó sobre ela. Tossiu um pouco e abriu então, olhando dentro dela. Começou então a tirar as coisas de lá.
Primeiro, uma câmera fotográfica, depois um diário, um sketchbook, um tablet, e mais algumas outras coisas. Deixou tudo sobre a mesinha de centro, e viu algumas roupas no fundo da caixa. Mas, o que mais havia a interessado era uma caixinha de cor preta, ou azul marinho, não sabia definir a cor. Mas sabia que era aveludada.
Tirou todas as coisas da caixa e deixou as roupas em seu colo. Pegou a caixinha e a olhou, franzindo o cenho.

- O que é isso? – Ouviu Wheein e sentiu o sofá cair brevemente pro lado devido a força que a mais velha se jogara. Se ajeitou no sofá novamente e colocou seu cabelo atrás da orelha.

- Não sei, achei que você saberia já que foi você quem ajeitou essas caixas.

- Já fazem anos, eu real não me lembro. E na época eu ajeitei tudo muito rápido, foi complicado...

Hyejin a olhou a negou, voltando a olhar pra caixinha. Fez um pouco de força e conseguiu abri-la, ouvindo um "poc". Arregalou os olhos quando percebeu que eram duas alianças, douradas e delicadas.

- Você... Ia me pedir em casamento?! – Levou as mãos até a boca, mal podendo conter o sorriso no rosto.

- Eu.. Acho que sim. – Olhou pra Wheein por alguns instantes, voltando a olhar pra aliança. – Essa era a surpresa, então... – Falou baixo, se lembrando da mensagem de texto. Suspirou e fechou a caixinha, voltando a deixa-la sob a mesa.

- São tão bonitas. – Wheein pegou a caixinha e tirou um dos anéis, o colocando em seu dedo, rindo sozinha. Hyejin a olhou de canto de olhos e apenas riu baixo. Wheein parecia uma criança de tanta inocência e tolice. Não sabia se poderia considerar isso um charme ou coisa do tipo. Pegou então seu diário, o folheando, passando os olhos nas coisas escritas. – Ei, deveríamos fingir como você me pediria, hein?

- Pra...?

- Não temos o que fazer mesmo, temos?

- Eu tenho. Descobrir minha vida. – Ergueu o diário e o balançou, olhando pra mais velha, que retirou o anel do dedo, voltando a colocá-lo na caixinha.

- Anda, por favor! Nãovou mais te perturbar depois disso! O caderno não vai sair correndo. – Devolveu a caixinha para a mais nova, que suspirou fundo e fechou o diário, deixando ao seu lado.

- Parece que somos duas crianças. – Estalou a língua, negando. Fechou os olhos por alguns instantes. - Jung Wheein, você aceita ser minha esposa? – Disse, numa voz arrastada, abrindo a caixinha. Rolou levemente os olhos e voltou a olhar pra Wheein, que abanava o rosto, e forçava uma reação exagerada. Segurou o riso. Antes que pudesse ouvir a resposta óbvia dela, ouviu a porta principal sendo aberta. Deu um leve pulo com o barulho, já que estavam próximas a ela. Ergueu os olhos acima da mais velha e viu a sombra de alguém mais alto se aproximando. Forçou a vista.

- Que merda é essa? – O sorriso de Wheein fora desfeito na hora assim que ela reconheceu a voz. Se virou e arregalou os olhos.

- Moonbyul?!


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