Os Cipós Roxos

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O aroma salgado e a sensação de vazio foram a sua única companhia durante um século. Aquela criatura. Aquele monstro. Adormecido nas profundezas do oceano desmesurado... até ser despertado. Seu leito fora perturbado por meros mortais, criaturas fracas que apresentaram utilidade à criatura ao compartilhar sua energia vital.

Madeixas louras, olhos cor âmbar, pele pálida e escassa de luz solar acompanhada de uma larga cicatriz no pescoço e uma marca única em seu ombro esquerdo, perto da nuca. Esse era DIO. Não mais Dio Brando, ou Dio Joestar, D-I-O. A pronúncia de seu nome soava como um título divino e deveria ser tratado como tal, pois era o Lorde das Trevas.

Um mundo completamente novo se abriu para seus horizontes, tantas mudanças ocorreram no decorrer de 100 anos. Locais e tecnologias totalmente novas para explorar e estudar. Estava maravilhado com as oportunidades que lhe abraçaram, oportunidades únicas para conquistar o seu objetivo: O Paraíso.

Não o Paraíso cristão, mas sim uma imagem completamente única dos Céus. O modelo ideal para elevar a humanidade e a criação de um novo tipo. Precisa superar a forma "homem", superar o humanismo, superar toda a cultura que o prende em si mesmo, superar deus. Sentia que deveria fazer isso, instintivamente.

Conquistou diversos seguidores, encantados ora com sua beleza ora com sua riqueza, mas devotos o suficiente para alcançar o almejável. A cada dia que passava, DIO estava mais próximo dos portões dos Céus, todavia, seu percurso não seria fácil.

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Após seu "renascer" se passaram alguns anos, encontrava-se em seu quarto lendo um de seus livros que estavam afogados na biblioteca que era sua mansão. Adorava ler, era uma das únicas formas de adquirir todo o conhecimento presente no mundo, desde o surgimento de novos medicamentos até a construção de carros e aviões.

Sentado em sua escrivaninha lotada de outros livros de diversos assuntos, com uma pequena vela iluminando o ambiente. Foleava suavemente as páginas de seu exemplar de filosofia, ainda buscava saciar sua dúvida.

O que é o Paraíso, afinal? Não há um significado concreto, podia ser um lugar bom e perfeito ou uma expressão para transcender a mente e o corpo. Ainda assim havia uma certeza, nunca conquistaria seu propósito sozinho, carecia de um amigo.

Não um amigo qualquer, um guia, alguém igualmente superior que não se deixaria levar por desejos carnais, um filho de Deus. Alguém com o coração puro na qual poderia depositar a sua fé.

Foi surpreendido pela batida suave na porta:

- Meu lorde, já está acordado? – Era Enya, uma bruxa que resolveu dedicar o resto de sua vida ao vampiro. Estava perdido demais em seus tormentos para escutar a aproximação da velha, soltou um curto suspiro e levantou-se da cadeira.

-Entre, Enya. – Assim ela fez, carregava consigo uma espécie de maleta.

- Encontrei a relíquia, meu senhor, agora irá se tornar o rei dos reis! Sei que seu destino é governar sobre essas terras desde o primeiro dia que lhe vi! – Carregava a maleta com dificuldade por conta de seus ossos já frágeis. O loiro tomou o recipiente e abriu sem pressa.

- A flecha...O poder dos Stands... – Uma flecha e um arco, cuidadosamente guardados na mala. A ponta da flecha brilhava com os olhos flamejantes de DIO, como se estivesse pedindo para perfurar sua carne – Cada dia que passa me aproximo mais de meu destino. Enya, acerte-me com a flecha.

Arregalou os olhos com o pedido de seu superior, jurava que ele perfuraria a si mesmo:

- Teria a honra.... meu senhor?

- Apenas faça, não há necessidade de uma cerimônia. – Entregou a relíquia para a anciã e puxou uma cadeira, sentou-se de frente a ela à alguns metros de distância. Cruzou as pernas e apoiou seu rosto com o braço esquerdo, apenas aguardando o ataque.

- Que assim comece seu reinado. – Sussurrou a velha ao armar o arco e acertar a lâmina no torso de seu mestre, sem demoras, sem cerimônias.

DIO pensava que não notaria o perfurar da flecha, contudo sentiu a energia penetrar por suas veias, queimando todo o caminho pelo seu corpo e cabeça. O calor que lhe preenchia era quase insuportável, quase.... familiar.

Lembrara do Hamon de seu irmão adotivo pulverizar seu corpo, o obrigando a decapitar-se. Fincou suas garras negras na cadeira, sem saber se foi pela dor ou pela recordação.

Logo a dor se dissipou, a flecha caiu no chão e ecoou pelo recinto, como se nunca o tivesse ferido.

A bruxa se mostrou surpresa com a reação do lorde, tirou do bolso de sua vestimenta, com as mãos um pouco trêmulas, um baralho de cartas:

- Ve... Veremos qual será o nome de sua Stand, senhor! – Se aproximou apressadamente – Tire uma carta.

DIO ainda derramava poucas gotas de suor em seu rosto, mas sua visão foi atraída pelo baralho em sua frente. Levantou-se com calma e retirou a primeira carta com um movimento ligeiro.

- "The World" ... - Exclamou o loiro.

- Conquista, realização, sucesso eminente! – Gargalhou a velha – Eu sabia! Eu sabia, meu senhor! O Mundo está a seu favor! – Comemorava com sua risada rouca que podia ser ouvida por toda mansão.

Contudo, o movimento rápido ao retirar a carta fez com que outra carta caísse suavemente, ambos não a notaram com toda a excitação e ansiedade os distraindo. A carta "The Hermit" caíra no chão.

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As luzes do Sol começaram a bater nas cortinas da mansão, o amanhecer se aproximava. DIO ficou o resto da noite tentando invocar sua Stand, sem sucesso.

"Deve demorar alguns dias para surgir efeito", refletia.

Deitou-se em sua cama e estendeu o braço para o teto. Estava lento, com sono, quase adormecendo.

-The World...Conquista, realização, sucesso eminente... – Sussurrava a si mesmo aquelas palavras para alimentar seu ego, então riu soprado – "O Mundo está a seu favor" ... – Fechou o punho estendido, simulando agarrar ou esmagar algo.

Conquista...

A imagem de seu falecido irmão surgiu a cabeça. A infância que partilharam com Dio o atormentando e destruindo sua honra. Abria e fechava a mão.

Realização...

Seu pai adotivo, aquele o qual envenenou e depois esfaqueou, usando seu sangue para banhar a Máscara de Pedra. Abria e fechava a mão.

Sucesso eminente...

A batalha contra Jojo, onde quase se afogou com o poder do Sol que seu oponente emanava, um poder tão assustador que teve que cortar a própria cabeça. Abria e fechava a mão.

O Mundo a meu favor...

O navio em chamas, a morte de Jojo, a posse de seu novo corpo. Abriu, mas ao fechar o punho viu uma mão espiritual o segurar. Sua Stand finalmente havia se manifestado.

Uma figura humanoide e amarela flutuava sob seu corpo em repouso, Stand e mestre com as mãos dadas. O vampiro se mostrou indiferente, apenas sorriu de canto de forma natural.

Entretanto, algo nasceu de seu braço estendido e agarrou sua mão e a mão do The World, apertando-as. Cipós roxos juntavam suas mãos ainda mais. DIO se apoiou com os cotovelos rapidamente, fazendo as formas espinhosas os soltarem.

"Duas Stands?! Como é possível eu ter duas stan-"

Seu pensamento foi interrompido com o choque de seu raciocínio, The World foi dispensado e os cipós dançavam em seu braço. Ele encarou a Stand com os olhos arregalados e boca semiaberta, suando frio.

Seu coração acelerou ao ponto de conseguir escutar os próprios batimentos, arrepiou-se ao ver um vulto no canto do olho. Procurou pelo quarto a sombra que o rodeava, sem sucesso.

Sua mente já estava embaçada, confusa pelas assombrações, como era possível? Apenas uma coisa preenchia seus pensamentos:

- Jo-Jonathan...?!

A Dívida do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora