#5

11 1 0
                                    

Hoje chove torrencialmente. São 11h da manhã, num sábado. Um sábado chuvoso e triste, à primeira vista. Observo a chuva à janela. Esta cai violentamente. Sinto uma certa segurança e medo, ao mesmo tempo. 

O castelo parece tão mais triste nestes dias. A sua cor cinzenta intensifica-se e as suas torres em forma de raízes parecem estender-se. Tanto se estendem, que até sinto que faço parte delas. Sou invadida por todas estas sombras que circulam no castelo. 

Oiço, novamente, um ruído. Subo até ao telhado e lá está ele, encharcado e a sorrir para mim.

- O que é que fazes à chuva? - pergunto.

- Queria ver-te e não me apetecia esperar pelo fim!

Coro e encaro o chão. Sei que tudo isto é errado, mas não deixa de ser igualmente correto. 

- Não achas a chuva linda? - diz, antes que eu possa responder.

- Sim, acho que sim!

Ele apenas estende a mão na minha direção. Hesito. Por muito correto que possa parecer, não passa de uma ilusão e eu jamais seria capaz de trair a rainha. Ou, pelo menos, gosto de acreditar nisso. 

- Acho melhor não!

- Se não vens até aqui, eu vou até aí!

E assim sobe a grade que nos separa e, numa questão de segundos, estamos os dois do mesmo lado. Porém, ele está num lado que não lhe pertence, nem nunca pertencerá. O rapaz do telhado aproxima-se, agarrando a minha mão e puxando-me para debaixo de toda aquela água.

- Não é tão bom senti-la na nossa pele? São estes momentos que não apreciamos, mas deviamos! - diz.

Observo-o, tentando perceber como é que alguém como ele pode ser real.

- Há algo de errado! - ele perscruta-me. - Tu não és real! 

- Sou, sim! Até sou bem mais real do que gostava de ser!

Pela primeira vez, vejo uma certa tristeza no seu olhar e, antes que eu possa tirar uma conclusão, ele fecha os seus olhos, levanta a cabeça e deixa que a chuva percorra todo o seu rosto. Olho para ele. Olho para as nossas mãos, que ainda se encontram em contacto uma com a outra. A sua pele é fria e quente ao mesmo tempo. Um mistério, na verdade. Como é que alguém pode ser tão gélido e tão aconchegante? Como é que a pessoa mais real que já conheci é, também, a pessoa mais ilusória?

Os seus olhos voltam a abrir e encontram os meus. A sua íris invade a minha. Vejo a sua alma a querer abandonar o corpo, porém esta mantém-se no lugar que sempre fez dela prisioneira. Consigo vê-la. Vejo-a a analisar-me e a julgar-me. Não lhe posso fazer isto! Não posso ficar com a única coisa que lhe pertence. 

Afasto-me.

- És especial, Lucas, mas eu não posso! Desculpa! - e corro dali para fora, fugindo à chuva e fugindo dele. 



solitudeOnde histórias criam vida. Descubra agora