- Estou lhes dizendo – falei aos policiais. – Vi-o pular esta grade.
- Pode nos descrever o indivíduo, senhor?
- Não sei informar com precisão. Alto, bastante esguio, estava completamente sujo de terra... e fedia à beça, devo dizer aos senhores! Tentei, agarrá-lo, mas ele era muito rápido.
- Alguma ideia de onde ele possa ter se enfiado?
- Não, senhor. Invadiu este cemitério e correu para longe, bem naquela direção – indiquei, apontando com o dedo um pilar próximo a um túmulo –, e, em certo ponto, desapareceu.
- Tudo bem. Entre em contato conosco, caso torne a vê-lo.
- Como assim?! – exclamei, indignado. – Os senhores não vão sequer tentar apanhá-lo?
Com uma expressão temerosa em suas faces, os policiais ignoraram minha sugestão e adentraram a viatura, partindo.
Permaneci onde estava, olhando para além do mar de sepulturas que se estendia à minha frente.
Os pelos de meu corpo começaram a se eriçar. Num dos túmulos à frente, no mais alto e sobressalente deles – devo dizer – um brilho alvo iluminou os contornos do mármore. De trás da pedra saiu o homem por quem eu procurava, e que os policiais se recusaram a capturar.
Daquela distância, eu podia distinguir não mais do que os contornos da figura. Vinha andando em minha direção; seu caminhar era, para minha estranheza, bastante sereno e paciente, em contraste com as passadas frenéticas com que invadira e adentrara o cemitério.
Numa ocasião como esta, era de se esperar que uma pessoa corresse. Contudo, mera curiosidade me fizera paralisar onde estava, com os pés firmes contra o chão de pedra em frente ao portão de ferro do cemitério.
O homem se aproximava cada vez mais, e sua tranquilidade me irritava, me deixava ansioso e ávido por descobrir o que aquilo tudo significava. Não nego que minha vontade era de praguejar a plenos pulmões, pois aquele homem invadira a minha casa, acordara-me no meio da madrugada, numa evidente tentativa de roubo. Em face do meu sono extremamente leve, despertei antes que o sujeito tivesse a oportunidade de afanar quaisquer de meus pertences.
Ele havia parado ao portão do cemitério – que, para minha sorte, estava trancado – e segurou com firmeza as barras de ferro, me fitando. Eu estaria muito aliviado se tudo aquilo se tratasse apenas de um ladrão, mas, para meu espanto, ele não era o que eu havia suposto que fosse. E de súbito me veio a compreensão do motivo pelo qual a figura estava completamente envolta em terra.
Desviei meu olhar novamente para o túmulo de onde surgira o homem, desta vez sem deixar qualquer detalhe escapar. Um buraco enorme havia sido cavado no chão em frente ao mármore; terra e fragmentos de concreto partido estavam dispostos ao lado num amontoado.
- Q-quem é v-você? – perguntei, titubeante, à figura.
- Apenas alguém que vive do outro lado – respondeu, de forma enigmática.
Eu mal podia distinguir os traços do homem, pois sua face estava quase que completamente oculta por terra.
- P-por que invadiu minha casa? – indaguei-lhe.
- Para fazer-lhe um convite – respondeu. Entretanto, eu não acreditava nem por um segundo naquela história. Convite? Que espécie de convite um sujeito como aquele queria me fazer?
Continuou:
- Ouvi suas súplicas e fui imediatamente até a sua morada, para buscá-lo, senhor.
Tornei a me recompor e empertiguei-me.
- O senhor irá me perdoar, mas não acredito em uma palavra do que me diz! – afirmei.
O homem afastou-se novamente, de volta à lápide atrás da qual havia se escondido, e agachou-se em frente à cova aberta. Esticou o braço para dentro do buraco cavado e dele retirou uma arma polida e prateada.
Tinha às mãos um revólver.
Veio novamente em direção ao portão do cemitério. Entregou-me a arma com dificuldade, espremendo a mão por entre as grades.
Apanhei o objeto e examinei-o, aturdido. Reconheci-o imediatamente como sendo o revólver que meu pai, aposentado da polícia, costumava utilizar em seu expediente.
Então o sujeito havia conseguido, de fato, afanar algo de minha casa.
- Como encontrou isto? – questionei.
- A resposta a todas estas perguntas está aí, dentro de você – respondeu-me novamente de forma enigmática.
A badalada de um sino ecoou pelo vasto espaço do cemitério, a morada dos mortos, eles, que haviam passado para o...
E mais uma vez uma compreensão dos fatos me veio repentinamente, num lampejo de ideias.
Para o outro lado...
- Quem é você? – perguntei-lhe.
Desta vez, o homem não se deu ao trabalho de me responder.
- Nada mais sou que a resposta às suas intermináveis súplicas. O destino. A última parada desta locomotiva turbulenta e desordenada da qual o senhor é um passageiro. A linha de chegada de pobres seres como o senhor.
Percebendo minha expressão confusa, o homem disse:
- Está bem, serei direto. Nada mais sou do que...
Nesse momento, ouviram-se passos e um farfalhar dos arbustos na orla do local. Virei o pescoço para observar. Um coveiro se aproximava, contornando o perímetro do cemitério. Escondi a arma no bolso de meu casaco. Quando voltei meu olhar para as grades do portão, o estranho com quem eu dialogava havia, para minha surpresa, desaparecido.
O coveiro desenroscou as correntes que prendiam juntas as extremidades do grande portão duplo, destrancando o cadeado, e concedeu-me entrada ao cemitério.
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Sonhos Mórbidos
Horror"Sonhos Mórbidos" é uma série de contos que retratam pesadelos vivenciados por Bryan Schultz (pseudônimo do autor), envolvendo acontecimentos curiosos e aterrorizantes.