O2 - Turbulência

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     Goiânia, 06:30am, quatro anos atrás.

  O despertador tocou, um som ag.udo que ressoou no quarto inteiro. Porque a vida tinha que ser assim? Pensei. - Deveria ter uma lei contra acordar antes das dez. - disse a mim mesmo, mas não saiu som algum de minha boca, pois ainda estava sonolento. O despertador voltou a ressoar. - Natan! Desligue essa coisa pelo amor de Deus! - meu pai gritou lá de seu quarto. Peguei finalmente o celular e desliguei o despertar. Me espreguiçei ainda na cama e me sentei com as pernas de fora do cobertor, estava naquele estado de sonolência onde você parece um zumbi.

  Apesar de ainda ser cedo, o dia já estava claro. Um feixe de luz que escapolia por uma brecha na janela deixava a mostra as microscópicas poeiras dentro do quarto.

  Depois de tomar um banho e escovar os dentes, sequei o cabelo com uma toalha e me vesti. O uniforme do colégio novo estava limpo e passado, vesti uma calça jeans velha e o tênis de couro marrom desbotado.

Passei a mão na mochila que só continha um caderno novo que meu pai havia comprado e algumas canetas da antiga escola e pousei-a sobre o ombro e fui em direção a porta.

- Não vai pentear o cabelo Tarzan?

- Eu vou pro colégio, não pro convento.

- Quem sabe eu te mande pra lá.  - Márcio era um coroa de aparencia abatida com um cigarro aceso em sua mão esquerda e estava rindo de sua piada com a respiração bem falha. Ele era meu pai. Quando eu tinha cinco anos minha mãe morreu nas mãos de um assaltante e desde então meu pai me criou. Na época eu não entendi muito bem a morte de minha mãe,  meu pai também não entendeu e passou a fumar compulsivamente depois disso. O que acarretou vários danos a sua saúde.

- Engraçadinho, vou nessa coroa.

- Tome um café antes de ir, e coma um pão também,  preparei enquanto você se arrumava.

- Não, tô atrasado.

  Ele me olhou de uma forma melancólica e sentida, não conseguiu esconder e virou o rosto. Olhei na direção da mesa e pude ver alguns pães quentinhos, café fresco,  leite, achocolatado e presunto fatiado. Olhei para o homem ali parado e me veio uma onde de compaixão por ele. Ele tinha preparado tudo aquilo pra mim e eu nem fiz questão de olhar pro seu trabalho. Me senti péssimo,  ele tinha o pior filho do mundo, e sabia que cada vez que eu crescia mais, nós nos afastavamos mais um pouco. Aquilo era cruel com ele. Diga alguma coisa! Diga que o ama!

- Acho que um chocolate quente vai cair bem, posso comer um pão no caminho.

  Me servi de leite e achocolatado e preparei um pão com apresuntado enquanto meu pai observava, acenei com a cabeça e sai pela porta.

- Tenta não ser expulso no primeiro dia nessa nova escola! Gritou ele da porta.

- Vou me esforçar.

  Enquanto andava pela calçada e comia meu pão com presunto,  fiquei pensando naquelas palavras. Eu tinha sido expulso de minha antiga escola por ter agredido um aluno. Diego era o tipo de garoto grande e forte, que gostava de oprimir os outros colegas de classe, até que um dia ele tentou fazer isso comigo.

- Porque você não sai do meu lugar Diego?

- Tem o seu nome escrito aqui por acaso Natinha de leite? - Ele riu como um ogro abobado.

- Se eu te enpurrar daí vai ser vergonhoso pra você.

- Se, e eu disse "se" você tiver coragem de fazer isso, eu vou te esmurrar ate o seu sangue ficar cor de rosa. - um sorriso de deboche surgiu em meu rosto, sabia que ele seria capaz disso, mas sempre fui do tipo de pessoa que apanha sem chorar. Ele continuou. - Ou eu poderia falar para o diretor e ele teria que chamar seus pais aqui pra uma conversinha. Pelo menos o seu pai vem né?  Porque a sua mamãe nunca vem... Porque será?  Aposto que ela tem vergonha de você!

  Eu não vi quando aconteceu.  A cadeira que peguei não parecia pesada na hora, mas pareceu bem pesada quando eu o acertei com ela. Houve um gemido um som esquisito, segurei a cadeira e o acertei novamente,  agora podia ver que era uma cadeira de ferro e assento de madeira, por um segundo fiquei com medo de matá-lo com esses golpes. Mas a imagem dele falando da minha mãe estava cravada na minha cabeça, por quê não deixam os mortos descansarem?

  Quando dei por mim estava com a cadeira na mão e Diego estava no chão com o rosto inchado e os  braços indefesos e sangrando. Todos na sala de aula olhavam pra mim com medo, até que o professor chegou e viu a cena. Meu pai foi chamado,  fui expulso, uma promessa foi feita ao diretor da escola de que eu seria punido quando chegasse em casa, mas fui açoitado apenas por um abraço apertado e acolhedor de meu pai.

  "Estou contando isso pra você poder entender como fui parar na nova escola e de como reencontrei com a Ester, afinal ela é o motivo de minha eminente morte. Sim, ela, não os zumbis. Eles vão apenas fazer o trabalho sujo. E o pior é que ela nem sabe."

Apocalipse dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora