O3 - Intruso

477 25 5
                                    

Todo mundo sabe e deve concordar que aquela situação chata de ser novato numa escola não é nada agradável, muito menos quando se passa no meio do semestre. Aquela coisa de todo mundo querer saber de onde você vem, saber se tem namorada ou não, se é do tipo inteligente, descolado ou brigão. Já me disseram que sou dos três tipos, mas eu não tenho tipo. Eu me sinto um estranho, alguém que está aqui só pra passar pela vidas das pessoas, ser despercebido. Mesmo quando estão interessados em mim, me sinto como se não existisse. Não tenho ninguém. Não posso colocar meu pai nessa classificação, porque ele já tem seus problemas, e eu sou o maior deles.

Eu já fui novato outras vezes, mas isso não quer dizer que estou acostumado com isso, e dessa vez foi diferente, não foi tão acolhedor como nas outras vezes, mas foi muito melhor, na verdade, acho que foi mais acolhedor do que todas as outras vezes. Mas só por causa dela.

O dia estava frio, eu deveria ter levado uma blusa, mas como sempre, esqueço as coisas. A rua estava bem movimentada com carros para todos os lados, era hora de pico. Todos indo trabalhar, estudar. Mais um dia começava. Me senti estranho quando cheguei no portão da escola e vi todos aqueles alunos entrando, alguns com cara de sono, outros rindo e conversando entre si, todos com seu mundinho. Fiquei parado alguns minutos olhando para eles e então tomei coragem para entrar. Tentei não olhar para ninguém enquanto andava, fui direto até a recepção para ver onde seria a minha turma. Então um homem magro, dos braços compridos parou em minha frente, seus dedos pareciam canudos de refrigerante e os pousava sobre o queixo fino me analisando, seus óculos retangulares não escondiam seu olhar de raio x, ele era calvo e tinha uma aparencia calculista.

- O senhor deve ser o Nathan. Siga-me até minha sala, eu sou o seu diretor.

Eu o segui enquanto os alunos da escola passavam por mim sem me notar. Pelo menos era o que eu achava. Entrei numa sala pequena e organizada, cheia de documentos e alguns livros grossos. Ele me indicou uma cadeira e eu me sentei, enquanto ele se acomodava em sua poltrona atrás de sua mesa. Enquanto ele me analizava, não quis olhar para ele,

- Eu queria deixa algumas coisas bem claras senhor Prado.

- Lobo.

- Como?

- Meu nome é Nathan Lobo Prado. Prefiro que use Lobo.

Aquilo me custou um olhar malicioso e sádico que desejei não ter falado nada, não por medo, mas aquele olhar me fazia pensar que ele estava no controle da situação, e eu não me dava bem com isso.

- Senhor Lobo, eu não vou permitir violência na minha escola, ouviu bem?

- Você não sabe da história toda.

- E nem preciso, eu lido com jovens problemáticos a muito tempo e conheço o seu tipo.

- Você não sabe nada sobre mim.

- Oh não, é? Como você acha que conseguiu entrar no meio do semestre numa escola como a Vétor e ainda com essa ficha imunda?

Aquilo me fez congelar por dentro, o que aquilo queria dizer? Era como se eu devesse alguma coisa pra ele.

- Você só entrou aqui porque sou amigo do seu pai, e prometi a ele que faria você tomar jeito. Seu pai não anda nada bem, não precisa de mais uma dor de cabeça.

Ele se levantou, caminhou até a porta e abriu me mostrando a saída. Então era isso? Ele fala isso tudo e não posso nem me defender? Pensei em revidar, mas não ajudaria em nada, até porque no fundo, ele estava certo,

- Vou estar de olho em você. A sua turma é o terceiro A. Boa aula.

Ele me colocou pra fora e fechou a porta na minha cara, eu engoli seco, Respirei fundo e começei a caminhar, olhando na porta das salas, até que encontrei a minha. Estava escrito "3º ano matutino - Turma A" . Eu tomei coragem e bati na porta que estava fechada, eu odiava essas coisas. Lá de dentro podia-se ouvir a voz da professora que parou depois que bati, eu abri a porta e olhei para ela. Tinha cabelos negros amarrado em rabo de cavalo, não era velha, aliás, bem jovem. Ela sorriu para mim e me chamou para perto dela.

- Pessoal, esse é o novo colega de vocês, ele veio tranferido de outra escola. - ela olhou pra mim ainda sorrindo. - Se apresente para turma.

- Bem, meu nome é Natan, tenho dezessete anos e tô doido pra me sentar. - disse com um sorriso maroto. A professora me olhou com um olhar de diversão e me indicou uma carteira a esquerda da sala. A aula não foi tão ruim, o que me incomodava era os olhares dos outros alunos, principalmente das garotas que ficavam encarando, e quando eu olhava, começavam a cochichar entre si e dar risadinhas idiotas. O tempo passou voando e o sinal do intervalo tocou. Todo mundo saiu as pressas da sala de aula. Eu fui o único a ficar, não estava pronto ainda para entrar no meio de convívio dessa gente toda. Mas algumas garotas insistiam em ficar olhando da porta, será que elas não percebiam que isso era irritante, eu me sentia filmado por cameras vinte e quatro horas. Decidi que iria lá dar uma bronca nelas, então me levantei e fui na direção da porta pronta para começar a discutir com elas quando eu vi ela passando, eu engasguei e faltou ar no pulmão. Meus olhos seguiram a dança de suas pernas e eu voltei a respirar um ar mais puro e muito mais cheiroso. Ela olhou pra mim eu passar e sorriu sem graça indo embora. Eu tinha certeza que já tinha a visto antes em algum lugar, mas era como se fosse a primeira vez de tudo, Eu estava conhecendo a razão da minha paixão. O motivo da minha morte.

Apocalipse dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora