O1 - Sem esperança

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Sabe aquelas histórias que começam pelo fim? Então,  acho que se encaixa perfeitamente aqui.

  Eu não estou com medo, pelo menos não agora, pois não estou preparado para morrer, não estou pronto ainda. Só que os mortos estão se aproximando de mim. Eu sempre achei que a adrenalina do medo em nossas veias faria nosso corpo superar qualquer dor ou circunstância. Como uma vez no meu bairro, consegui escalar um muro de três metros e meio fugindo de um cão da raça Pitt Bull. Não me pergunte como eu subi lá,  pois também não tenho a menor idéia,  quando me dei conta estava em cima do muro, com o coração na boca e um arranhão no braço. Pra descer de lá foi outros quinhentos.

  Também me lembro de uma vez quando tinha dezoito anos de idade. A moto estava apenas à 80km/h na avenida, mas foi o suficiente pra que eu voasse a cinco metros de distância da batida. Minha moto se chocou com um carro em um cruzamento durante a madrugada de um sábado.  Não é preciso pensar muito pra notar que eu estava errado. Apenas vi o carro cruzando a rua e tentei frear com o pé direito. A Titan 150 derrapou no asfalto úmido e se chocou na trazeira do Palio, que tinha a preferência no cruzamento.  A moto ficou e eu fui, o medo era tão grande que não consegui ver nada. Quando me levantei, não senti nada diferente, mas quando fui andar, cai no chão.  Minha perna estava quebrada, era nítido,  ela apontava em um ângulo esquisito e senti algo quente descer pela bochecha. Levei a mão a cabeça e senti o corte na têmpora. Então o efeito da adrenalina passou, e eu desmaiei.

  É isso que a adrenalina faz conosco, nos torna invencíveis,  bloqueia a dor e nos dá força até para escalar um muro alto na fuga do perigo eminente.

  Mas dessa vez não,  talvez seja porque não estou com medo.  Geralmente o medo libera esse hormônio.  Mas estou apenas imóvel,  sentado no asfalto, encostado na sombra de um carro abandonado e sem gasolina na rodovia BOL-04 na fronteira da cidade de Corumbá que fica no estado do Mato Grosso do Sul, Brasil. Essa rodovia corta a Bolívia de leste a oeste, sendo que o trecho entre Corumbá e Santa Cruz de la Sierra tem 659 km e pelo jeito acabou de ser asfaltado. Que ironia, asfaltaram pra ninguém poder usar, pelo menos eu não,  já que estarei morto daqui um pouco.

  Eu não sou dessa cidade, e nem desse estado. Nasci na cidade de Itapaci, um município pequeno e pacato do interior de Goiás. Mas quando criança me mudei para a capital do estado,  Goiânia.  Morei quase a minha vida toda lá.  Mas três anos atrás voltei para Itapaci para cuidar do meu pai, que estava muito velho e doente.

  Você deve estar se perguntando como eu vim parar aqui e o porque eu não me levanto e fujo desses mortos que andam em minha direção. Olhando bem para eles, alguns com o pescoço dilacerado e alguns faltando um braço,  outros com o rosto mastigado e tem até uns que se arrastam em minha direção pois não possuem mais pernas, é de dar dó.  Eu teria vergonha de sair de casa assim. Mas eles só querem comer, e o prato principal sou eu.

  Bem, eu só não fujo porque não posso.  Não sinto minhas pernas, e acho que meu braço está quebrado. Estou assim porque acabei de capotar com o carro. Parece que alguém colocou espinhos de ferro na estrada,  quando vi, era tarde demais. Eu vi o mundo girar de dentro do carro e depois alguém desligou a luz. Só acordei a pouco tempo. Conseguir sair do carro, mas não tive sussesso em continuar me arrastando, pois meu braço dói muito. Bem, acho que esse é o meu fim.

  Mas é claro que a minha história não começa aqui, acho que ela termona aqui, mas começar mesmo, ela começa em Goiânia, à quatro anos atrás. Eu vou tentar ser rápido,  pois os mortos já estão chegando. E já ouço um ronco esquisito vindo. Deve ser o ronco da barriga da morte.

  A morte está faminta, e para o meu azar, ela não é vegetariana.

Apocalipse dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora