Moletom

5.2K 666 176
                                    

    A chuva lá fora dava a Izuku mais um motivo para se concentrar. Isso e as as provas da próxima semana também. Provas das quais ele tinha que estudar. Cadernos empilhavam sobre sua mesa, papéis espalhados com extensas anotações. Izuku já conseguia sentir a cabeça doer, sua perna chacoalhava debaixo da mesa, ele tinha que ir bem nessas provas.

    A vida de um aluno do último ano do curso de heróis da U.A. não é fácil, acrescente isso as aulas extras como parte do Big Three, um estágio numa grande agencia de heróis e o ex-Símbolo da Paz contando com você pra ser seu sucessor. Izuku tinha muitas pessoas contando com ele, não podia decepcioná-las.

    Ele jogou seu lápis na mesa, choramingando. A luminária (edição limitada comemorativa) do All Might piscou como que em resposta. Aquele exercício não ia ser resolvido se ele não conseguisse se concentrar e seus pensamentos estavam a mil por hora.

   Ele se encostou na cadeira, frustrado consigo mesmo e tomou um gole de seu chá - a caneca vermelha e azul com escritas “Eu estou aqui!” alegras de mais pro seu humor - tentando se acalmar quando notou o monte de pano em cima de sua cama do dormitório.

    O vislumbre do que se tratava fez Izuku notar o quanto seus braços estavam gelados, o quarto parecendo frio de repente. Ele se xingou mentalmente ao ver a janela esquecida aberta por míseros dois centímetros, o chão um pouco molhado pela chuva. Depois de fechá-la, Izuku se aproximou da cama e pegou o moletom em mãos o cheiro doce invadiu suas narinas e aqueceu o seu peito.

    Kacchan

    A malha meio gasta acariciou sua mão e ele se deixou levar pela sensação súbita de conforto abraçando o tecido e o esfregando conta o rosto carinhosamente. O cheiro doce de nitroglicerina trouxe o rosto de Katsuki junto de si, espalhando imagens do loiro em sua cabeça.

     Izuku conseguia ver ele bem na sua frente e se imaginar colando o nariz no pescoço do loiro, sua pela suave e macia contra a sua bem diferente de seu jeito normal de ser, sentir o cheiro direto de sua fonte, como já tinha feito diversas vezes, um vício necessário. Katsuki estaria com seus braços grandes e fortes a sua volta, o queixo sobre sua cabeça mergulhado na bagunça de cachos verdes enquanto se abraçavam. A ideia fez Izuku se sentir seguro.

     Katsuki tinha dado o moletom a Izuku num dia como aquele, meio frio ainda no começo do outono mas a brisa se fazendo presente pelo inverno que logo chegaria. Ele tinha forçado a gola pela cabeça esverdeada no primeiro sinal de tremor pelo frio ignorando qualquer tentativa de desconversar de Izuku, ele tinha falado que ele não ia conseguir acabar com ele direito no treino se ele acabasse com um resfriado e o chamado de idiota por esquecer o próprio casaco. Izuku ficou vermelho mas prometera devolver o moletom depois.

    Foi naquele mesmo dia que eles tinham se beijado pela primeira vez.

   Já fazia algumas semanas agora, e o moletom ainda estava com ele - Katsuki também nunca o tinha pedido de volta.

   A lembrança trouxe um pouco de calmaria na cabeça de Izuku. Seus braços gelados pelo vento pareceram para usar o moletom mais uma vez. E, ao vesti-lo, o peso em suas costas foi aliviado, os ombros mais largos que os seus, as mangas longas e a barra cobrindo seu quadril como num vestido curto só esfregavam na cara dele como a puberdade tinha tido preferências entre os dois. Foi como se pudesse sentir os braços de Katsuki o envolvendo por toda parte num abraço constante. Izuku se encolheu na sensação boa de conforto apertando o próprio corpo para ter aquele toque que tanto gostava ainda mais perto, ainda mais real. A voz de Kacchan parecia sussurrar em seu ouvido que tudo ia ficar bem, palavras ditas de um jeito que só ele falaria e que só Izuku entenderia.

     De todas as pessoas, a que mais queria que Izuku fosse bem naquela prova era Katsuki. Afinal eles eram rivais, sempre querendo que o outro desse o melhor de si para estarem na mesma altura.

    Ao ter se aproximado de Katsuki pouco ao pouco durante o ensino médio e muito mais nas últimas semanas ficou cada vez mais fácil ler seu jeito explosivo. A determinação que ele tinha de se tornar o número um era o motivo dele levantar da cama todos os dias, de manter uma dieta rígida com um cronograma de estudos impressionante, sempre exigindo mais de si mesmo.

   Katsuki tinha um objetivo claro, um lugar a qual queria alcançar e fazia de tudo para estar cada vez mais próximo dele e isso era o que Izuku mais admirava nele.

   Você não desiste nunca, não é Kacchan?

    Faltavam poucos meses pros anos de escola acabarem e ao olhar para si próprio Izuku pode ver o quanto também nunca desistia, a teimosia tirando a palavra de seu vocabulário. Agora ele e Katsuki tinham finalmente colocado os sentimentos pra fora e se entendido (até mais do que Izuku poderia esperar), o moletom era uma prova disso. Uma personificação dos erros e acertos, socos e gritos até estarem no mesmo patamar, todas as cartas na mesa e prontos para começar de novo. O cheiro doce do moletom o deixava seguro e protegido, mas também mais confiante para enfrentar os próximos desafios.

    Ele olhou os papéis na sua mesa determinado. Seu coração lhe diz para entrar dentro do tecido como num casulo onde só existem os dois e se perder nas lembranças de sensações de beijos e abraços de outros dias, mas sua cabeça o faz voltar ao trabalho. Apesar disso, ao se sentar em frente a seu caderno, Izuku não impediu uma a conversa que tiveram poucos dias antes de vir a sua mente.

    “Quando as provas acabarem vamos no parque, Deku” Katsuki afirmou deitado na área comum do dormitório.

    “Parque... de diversões?” perguntou Izuku abaixando o livro que lia, Katsuki assentiu. “Hm... Uraraka e eu tínhamos pensado que seria legal juntar a turma e...”

    “Não, Deku.” revirou os olhos, desviando o rosto levemente corado. “Só a gente”

     “A-Ah!” Izuku sentiu suas bochechas enrubescerem de uma orelha a outra, o convite era inesperado. “Tipo... um encontro...?” arriscou.

     Katsuki pareceu querer competir quem ficava mais vermelho. Aquelas eram terras inexploradas, nenhum dos dois sabia direito o que fazer. “É, tipo isso... um encontro...” concordou evitando olhar Izuku nos olhos. “Tanto faz” completou, tentando voltar a cara rabugenta “Mas só se você não cagar nessa maldita prova, nerd de merda”

    Um encontro com o Kacchan...

    Era um bom motivo para se dedicar ainda mais. E quando Izuku voltou sua atenção para os exercícios à sua frente eles já não eram mais tão impossíveis e Izuku já não sentia mais frio.


MoletomOnde histórias criam vida. Descubra agora