Slip

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As duas e trinta e sete da manhã eu acordei e te observei. As cortinas abertas deixando que a luz do luar nos iluminasse. E em contraste com a sua pele, só deus pode dizer o quanto de tempo eu poderia ficar ali olhando e absorvendo cada detalhe. Na janela as plantas descansavam e serviam de decoração e destaque com a paisagem urbana no fundo.

Seus cabelos tão pretos quanto nanquim espalhados e seu corpo de um deus de ébano, fazem contraste com o jogo de cama branco. As marcas da nossa noite ainda estão presentes em nossos corpos. Mas a da nossa história, você apagou das paredes.

Tantas coisas passavam pela minha mente e a pergunta que não queria calar é: "O que houve com você?".

A primeira vez que te vi, foi como uma miragem do divino. Em meio a neblina dos fumos e as pessoas perdidas, lá estava você. Dançando como se sua vida fosse aquilo. Eu guardei aquele momento, o momento em que nossos olhares se cruzaram, na memória e jamais me esquecerei disso.

Nossos corpos dançavam conforme a batida da música e se eu soubesse, pararia por ali mesmo. Mas nossas mentes já estavam conectadas e nossas mãos percorriam caminhos descobertos por outros. Mas ainda assim, era uma aventura. Sua boca trilhava o caminho do meu pescoço e eu me desmanchava em seu abraço, suas mãos brincavam com a minha sanidade e você descobria o caminho até meu coração.

Com o passar do tempo, você fez morada em meu peito e e eu no seu. Você era a minha luz em meio a escuridão. Meu analgésico em meio a dor.Meu abrigo em meio a tempestade. Era um local aconchegante e e familiar, eu amava sua decoração e seus pequenos detalhes, mas você mudou. Primeiro a cor das paredes e eu, como simples inquilino, não puder fazer nada. Afinal a casa era sua. Mudou a decoração, demoliu paredes e com tempo, não foi sobrando espaço para mim e como um simples inquilino, você me despejou.

Seus risos que antes eram destinados a mim, começaram a secar, como se fosse um lago no deserto do Saara. Suas mãos já não me tocavam com uma instrumento. Sua boca não me bebia como fonte de água cristalina. Eu comecei a escorrer pelas suas mãos, como a areia de uma ampulheta, eu escorri entre seus dedos.

Agora eu só sirvo para ser um hospede temporário, como se seu peito fosse um motel de estrada, onde viajantes apressados param para descansar e logo ao amanhecer continuam suas viagens. Onde está o casa confortável onde eu passei meus melhores momentos?

"Onde está a luz que me iluminava?", "Onde está meu melhor remédio?", "O que aconteceu com você?", são perguntas que ecoam em minha mente, sempre que venho para em sua cama. Eu acordo no meio da madruga e digo para mim e para meu coração: "Essa é a última vez.". Mas quem eu quero enganar? Eu prefiro ter uma pequena parte de você do que viver sem o calor do seu corpo sobre o meu.

Você escorreu pelas minhas mãos, como se fosse água e eu não consegui fazer nada. Agora, outros se aventuram pelos seus corredores. Brincam com sua decoração. Se deleitam com seus alimentos. E eu? Bem, eu sobrevivo das suas migalhas. Quando tive tudo pra mim, não preservei. Quando somente a mim você alimentava, eu comia sobremesa em outros lares, antes de jantar e você se cansou de me esperar com os olhos despertos.

Naquela noite, a música que tocava era um aviso. Um aviso do destino me dizendo o que aconteceria caso não te segurasse. E meus olhos se cegaram para isso. Meus ouvidos se fecharam para as palavras do cantor e só se abriram para seus gemidos e sua doce voz. Eu não posso reclamar, eu tive tudo o que queria em mãos, mas tudo escorregou como areia entre meus dedos. E como um tolo, eu somente assisti.

Meus dias seguem assim, durante a semana meu coração sofre por conta das memorias que minha mente me lança. Tento sobreviver a cada dia, pois sei que poderei ter uma amostra de ti.

Uma vez por semana eu te vejo no mesmo local, com roupas provocantes e com aquele olhar hipnotizante. Seu hálito de bebida e cigarro, seu perfume caro e sua boca convidativa me fazem esquecer da escuridão que é não te ter comigo.

E toda semana é assim, eu saio para te esquecer e sempre venho parar em sua cama. Abaixo ou acima de você. Te amo como se fosse a coisa mais preciosa para mim, e é. Você me deixa te amar e eu não sei por que. E depois de percorrer cada uma das tuas curvas, te observo e tento memorizar cada novo detalhe, cada reforma que fez eu seu lar.

Afinal, como um andarilho, devo aproveitar a vista do local onde estou, por que nunca se sabe quando vai ser a última vez.

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