UM

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MARÇO

Ele estava no observatório, o pescoço dolorido esticado e parcialmente jogado para trás enquanto tentava, pela milésima vez, encontrar a exata estrela que precisava.

Marcos Paulo adorava observar as estrelas, mas odiava fazer isso com o rosto colado a um telescópio e em uma posição desconfortável. Porém eram esses os ossos do ofício.
Ele estava naquele observatório haviam horas. Mudando a posição do telescópio, revisando pontos que ele já havia olhado, torcendo toda a cabeça para encontrar a maldita estrela. Mas ela não estava em lugar algum.
A única coisa que o deixava parcialmente calmo era o horário. Já eram duas da manhã e nenhum estudante estava no observatório, então não havia perigo do garoto ser apressado por alguém que precisasse usar aquele telescópio.
Ele sabia que não deveria deixar para fazer os trabalhos em cima da hora, mas entre saber e fazer há uma grande diferença. Então exatamente na madrugada, algumas horas antes de ter que deixar um trabalho muito detalhado sobre uma estrela qualquer, ele estava semi-desesperado sem sequer ter encontrado o pontinho brilhante.
Era provável que ele já houvesse passado os olhos por ela várias e várias vezes, mas eram todas tão parecidas!
Ele não poderia simplesmente escolher uma aleatória, apesar da vontade. Seu professor com certeza iria saber a diferença e ouvir um "Você não consegue nem errar" da boca dos seus colegas seria um golpe muito duro no ego de Marcos Paulo.

Se houvesse mais tempo, talvez ele pedisse ajuda dos seus amigos para encontrar a estrela. Mas não havia tempo.

Ele tirou a os olhos do telescópio e passou as mãos pelo cabelo, frustrado. O pescoço estava doendo, os olhos ardendo, seu corpo implorava por descanso. Ele apoiou as costas na parede e deslizou até o chão, encaixando a cabeça nos joelhos. Ele estava com sono.

A porta do observatório rangeu e ele levantou a cabeça, procurando quem havia entrado. Uma garota entrou em seu campo de visão, mas ela ainda não havia visto Marcos Paulo, que estava parcialmente escondido pelo telescópio e pelas sombras. Ela não estava muito visível, devido a escuridão necessária naquela área e sua silhueta andava de um lado para o outro, observando as telas que emitiam luzes azuladas com algumas explicações básicas sobre o céu e sua infinidade de coisas. Depois ela parou no centro do salão e jogou a cabeça para trás, olhando para o céu através do teto de vidro do observatório. Ela não se demorou muito nessa posição, logo se deitando no chão e apoiando a cabeça nos braços. De onde estava, o rosto da garota era iluminado pelos leds , tornando finalmente visível para ele as feições dela.  Ela tinha uma boca fina e larga, daquelas que emolduram os sorrisos mais bonitos, as sobrancelhas eram grossas, como se ela não se desse ao trabalho de fazer elas como a maioria das garotas, as maças do rosto altas junto com um nariz reto e arrebitado e a pele branquinha que nem a lua davam para a garota um ar de aristocrata. Marcos Paulo quase achou ela bonitinha. Quase. Ele não era muito fã de cabelo cacheado e ela parecia magra de mais. Não era feia, só não fazia o tipo declarado dele.

Ele estava com medo de parecer muito estranho ali, escondido no canto encarando uma estranha, mesmo que fosse ela que estivesse invadindo o espaço dele, então o garoto se levantou e pigarreou, avisando a garota de que ela não estava sozinha.

Ana Lívia se sentou, assustada com o som. Na mais completa escuridão, ela só conseguia ver a silhueta do garoto, que estava encostado de forma despojada no telescópio. Ela passou a mão pelo peito, como se sentisse dor.

- Quem está ai? Eu não consigo te ver muito bem, está muito escuro. - A voz da garota era rouca e baixa, quase um bálsamo para os ouvidos de Marcos Paulo, acostumados com os gritinhos estridentes de sua irma mais nova e a voz demasiadamente alta de sua mãe. Ele se aproximou mais da garota, ate que seu rosto estivesse na mira de um dos leds azuis que iluminavam parcamente o lugar. Quando as pupilas da garota focaram no rosto dele, ele sorriu.

- Marcos Paulo, eu faço Astrofísica, estava fazendo um trabalho. - Ele se viu na obrigação de explicar o porque de estar tão tarde ali, no observatório. A garota inspecionou Marcos Paulo de cima a baixo, sem se importar de disfarçar que o fazia. Ela voltou a encarar o rosto dele depois de alguns segundos e retribuiu o sorriso do garoto, mostrando suas covinhas.

- Sou a Ana Lívia, pode me chamar só de Ana. Eu faço Jornalismo, tô aqui só por que gosto de observar o céu. O teto de vidro ajuda. - ela deu de ombros. - Quer sentar?

Marcos Paulo pensou na ideia por alguns instantes e por fim decidiu se sentar com a garota. Ele não estava conseguindo encontrar a estrela e mesmo se por algum acaso se sentasse em frente aquele telescópio e encontrasse, não daria mais tempo de redigir o trabalho. Então ele cruzou as pernas, de frente para ela.

- Ana Lívia... - Ele repetiu o nome da garota, como se saboreasse cada uma das letras. - Gostei do seu nome.

- Olha, já temos algo em comum! Também adoro meu nome. - Ele percebeu que achava as covinhas de Ana Lívia adoráveis.

- Duas coisas, já se esqueceu do céu? - Ele observou enquanto ela esboçava um sorriso e balançava a cabeça em sinal de negação. - Qual sua estrela favorita? Ou constelação, se não souber o nome de alguma estrela em específico.

- Sinceramente? Sou péssima para encontrar as constelações. Acho que a única que já consegui ver foi o Cruzeiro do Sul. - Ela ergueu os ombros novamente, como se pedisse desculpas.

- Não conseguia encontrar nenhuma constelação até entrar para a faculdade e ser obrigado a aprender. - Ele riu. Não era uma risada bonita, nem de longe, mas fez a garota rir também.

Eles ficaram ali, iluminados pelos leds azuis, conversando até as três da manhã, quando ela resolveu que já estava tarde. Ele queria discordar e dizer que na verdade já estava cedo, mas deixou a garota ir.

Só quando ele já tinha acabado de arrumar suas coisas e já estava na porta, se lembrou de que havia esquecido de pedir o telefone dela.

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Assim as estrelas morrem | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora