DOIS

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ABRIL

Já fazia um mês desde que Marcos Paulo havia esperado, totalmente sem graça, no prédio de Comunicação e Artes, até uma certa estudante de Jornalismo sair de lá, só para pedir o número dela.  E estava fazendo dois dias desde que Marcos Paulo percebeu que estava apaixonado pela mesma estudante, num rompante de sinceridade forçada pelo seu colega de quarto, que o pressionou a ponto de fazê-lo admitir até para si mesmo seu caso de paixonite aguda pela amiga.

Ele não sabia muito bem o que fazer agora. Ao mesmo tempo em que queria contar o que estava sentindo para Ana Lívia, estava com medo de perder a amizade dela. Entre ser amigo e não ser nada, ele preferia ser amigo. Ele controlou as pernas, que insistiam em guiá-lo em círculos eternos pelo ínfimo espaço do quarto e parou em frente ao espelho. Ele tinha dois ingressos para o filme "O espaço entre nós" quase esmagados na mão, usava uma calça jeans meio desbotada e um moletom com o sistema solar estampado, nem um pouco fiel em como ele realmente se parecia, que havia sido um presente de Ana Lívia quando ele finalmente conseguiu entregar um trabalho dentro do prazo. Os cabelos, que ele havia gastado um tempo considerável e irrecuperável tentando arrumar, já estavam bagunçados novamente, com se ele tivesse colocado a cabeça para fora da janela de um carro em alta velocidade. As unhas estavam roídas mais uma vez, uma recaída em decorrência a ansiedade que estava sentindo, o óculos estava na ponta do nariz como sempre, frouxo em seu rosto pois ele nunca se dava ao trabalho de mandar apertar. Definitivamente ele não era o cara mais arrumado do mundo, mas estava... bonitinho. Ao menos poderia afirmar com toda a certeza que estava cheiroso.

Ele se sentou na beirada da cama e esticou os ingressos no joelho, tentando ao máximo desamassá-los. Se lembrou do dia anterior, quando num estado de confiança induzida pelo álcool, ligou para Ana Lívia e a convidou para ir no cinema. No momento, ele nem sequer sabia o que estava em exibição, mas a garota exclamou um "siiiim" e contou-lhe sobre o filme que havia acabado de estrear. Por alguma ironia do destino misturada a algo parecido com sorte, o tema o interessava na medida do possível e a bilheteria não havia esgotado. Havia quase esgotado. Ele conseguiu as duas últimas entradas.

Então agora ele estava esperando a hora para poder sair do minúsculo cubículo que ele chamava de "lar" e ir buscar a garota que assombrava seus pensamentos pelas últimas semanas.

Ele checou o relógio mais uma vez. Quinze minutos para que ele pudesse sair. Os pés batiam no chão, extravasando sua impaciência. Ele se levantou, cansado de esperar, e deixou o apartamento, descendo as escadas do prédio quase saltitando. Conteve sua vontade de correr o mais rápido possível até o prédio de Ana e se forçou a andar como um ser humano normal, não como alguém apaixonado.

Ele tocou o interfone e sorriu para o porteiro, se identificando. Quando as portas se abriram, alguns minutos depois, uma Ana Lívia sorridente saiu de encontro a ele. Ela estava bonita, não por causa das roupas que vestia ou do penteado que usava. Ana Lívia sempre estava bonita pois ela tinha estrelas nos olhos, e hoje elas pareciam brilhar mais forte ainda. Ele passou os braços ao redor da frágil figura da garota, em um abraço apertado. Ela tossiu e ele a soltou, com medo de ter apertado a garota forte de mais.

- Te apertei muito? Desculpa,foi mal. - Ele passou a mão nas costas da garota em círculos enquanto a tosse dela não passava. Quando ela conseguiu puxar o ar novamente, encheu os pulmões, como se nunca tivesse respirado na vida. - Ei, você tá bem?

- Tô sim, não foi nada. - Ela sorriu para ele. - Vamos? Não quero perder o filme.

Ele assentiu para a garota e passou a mão nos ombros dela. Enquanto andavam até o shopping, a ideia de contar para a garota sobre seus sentimentos piscava em sua mente, como um maldito letreiro neon.

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- Foi incrível! Esse final... Você, como o renomado astrofísico que vai trabalhar na NASA que eu sei que um dia vai ser, acha que isso é possível?

- Um garoto nascer em Marte? Acho que sim. Ele se apaixonar por alguém na terra? Pouco provável.- A garota bateu na nuca de Marcos Paulo, enquanto ele ria.

- Você é tão... pouco romântico! Muito sem graça, destruindo meus sonhos de me apaixonar por alguém de Marte. - Ela revirou os olhos para ele e mostrou a língua.

- Ia demorar muito, ele ainda teria que nascer e atingir ao menos uma idade aceitável até você poder se apaixonar. Mais fácil escolher alguém daqui da terra mesmo. Olhe em volta, tem muitos terráqueos bonitos para você escolher. - Ele arqueou as sobrancelhas e girou a garota em volta.

- Nenhum deles me quer. - Ela deu de ombros. Marcos Paulo virou a garota para ele e encarou os olhos de estrelas. Ele se deu conta de que nunca haveria um momento certo para contar que se está apaixonado.

- Eu quero. - Ana Lívia sorriu e revirou os olhos.

- Brincar assim é jogo baixo! - Ao olhar nos olhos do garoto, o sorriso dela foi aos poucos sumindo do rosto.

- Eu não estou brincando, Ana Lívia. - Ele pronunciou o nome dela lentamente, com ênfase. Como havia feito no dia em que se conheceram. O coração dela errou uma batida. Ela encarou os olhos dele, que a lembravam de galaxias, cheias de coisas lindas e assustadoras. Os sentimentos se embolaram dentro dela e as frases, que sempre vinham com tanta facilidade, se perderam em algum lugar entre seu cérebro e sua boca. Mas ela não precisou se preocupar com sua falta de palavras por muito tempo. Ela não se deu conta do momento em que Marcos Paulo colou a testa a dela, nem se deu conta do como suas respirações estavam se misturando e seus narizes se tocando. Ela só se deu conta de como estavam próximos quando os lábios de Marcos Paulo tocaram os seus.

Ana Lívia percebeu que eles se encaixavam perfeitamente.

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