MAIO
Ana Lívia tinha o melhor namorado do mundo.
E Ana Lívia também estava morrendo.A garota não sabia como iria contar para Marcos Paulo que estava morrendo. Dar notícias desse porte nunca havia sido antes algo que ela precisasse fazer, pois os médicos sempre falavam por ela.
"Câncer" eles diziam. "No pulmão. Estágio terminal, foi descoberto muito tarde. Sinto muito." E então as pessoas choravam um pouco, abraçavam a garota e entregavam-lhe sorrisos amarelos.
Ana Lívia se lembrava da mãe, gritando com ela por não querer se submeter ao tratamento, que ela sabia ser um esforço inútil. Ela se lembrava de repetir para a mãe que estava tudo bem. Ela também se lembrava das noites que passava em claro, pensando em como teria uma morte horrível, sufocando com tanto ar a sua volta. E ela se lembrava da madrugada em que conheceu Marcos Paulo.Era mais uma daquelas noites em que a garota se torturava pensando em como morreria, até que ela levantou da cama e se dirigiu ao observatório, com o ímpeto de tentar entender mais sobre o céu. Afinal, as pessoas que morriam iam para lá, não é mesmo?
- Amor? - Marcos Paulo chamou a garota, pela terceira vez.
- Desculpa, estava pensando. - A voz dela estava mais rouca do que o normal. - O que você perguntou mesmo?
- Não é importante. Estava pensando em que? - Ele a puxou mais para cima na cama, a abraçando pela cintura e desenhando círculos em sua barriga.
- Estrelas morrem? - Ela sentiu os lábios de Marcos Paulo, que estavam encostados em seu pescoço, se levantando num sorriso.
- Morrem. As estrelas pequenas, que nem o sol, se expandem e viram gigantes vermelhas, depois de alguns bilhões de anos ela expulsa suas camadas externas e se torna uma nebulosa planetária, no centro dela só sobra o cadáver do que um dia foi. Uma estrela anã-branca. São muito bonitas. - Ana Lívia ficou quieta por um momento, absorvendo a ideia de que até algo que está fadado a ficar eternamente no céu, morre um dia.
- Então, quando o sol morrer, antes disso ele vai se expandir, certo? O que acontece com a terra? - Marcos Paulo deixou beijos pelo pescoço dela e mordeu o ombro.
- Bem antes do Sol conseguir se expandir para engolir a terra, já não vai ter nada aqui. A temperatura vai ser muito alta. - Ele deslizou o nariz pelo pescoço da garota e levantou a cabeça, encaixando o queixo nos cabelos de Ana Lívia.
- E como as outras estrelas morrem? As grandes?
- As maiores se desfazem em Supernovas. Antes de morrer elas ficam tão pesadas que não suportam mais o próprio peso, e aí se despedaça. Dessa Supernova sobra uma estrela de nêutrons, que é uma crosta de ferro sólido com uma... Podemos dizer "papa" formada por nêutrons por baixo. Mas se a estrela que originou a Supernova for muito grande, ela se contrai até virar um ponto de gravidade pura, sem nenhum diâmetro. É o que a gente chama de buraco negro.
- Me lembra a morte de pessoas. Quando alguém comum morre, é uma estrela pequena e causa estrago só a quem está próximo. Já pessoas importantes tem sua morte sentida por todo o universo e deixam buracos negros irreparáveis no mundo.
- Eu acho que sim. O que te deu que está filosófica hoje, hein? - Ana Lívia se desvencilhou dos braços de Marcos Paulo e se ajeitou na cama, virando para o namorado.
As lágrimas despontavam dos olhos e ela não sabia como poderia contar para ele.- Ei, o que houve? - Ele alisou as bochechas da garota e passou o dedão pelas lágrimas que escorriam, secando-as.
- Eu tenho que te contar... - As lágrimas, que estavam descendo de forma controlada, jorraram dos olhos como se uma represa tivesse estourado. Ele puxou a garota para o colo e a abraçou apertado, escondendo o rosto dela na curva entre seu pescoço e ombro.
- Calma... Tá tudo bem, não precisa chorar. Me conta o que tá acontecendo, Ana.
Ana Lívia levantou o rosto e limpou as lágrimas, tentando encontrar o melhor jeito de contar que estava morrendo. Ela se deu conta de que nenhum dos modos que desse a notícia iria amenizar o impacto. Então ela soltou a bomba.
- Eu sou uma anã-branca, Marcos. Eu... tô morrendo. É isso que tá acontecendo. - A garota observou enquanto o namorado franzia as sobrancelhas, sem entender. - Eu tenho câncer. No pulmão. É hereditário, meu avô morreu disso. Descobri umas semanas antes do observatório. Eu não sabia como te contar! Estava morrendo de medo e... - Marcos fez um sinal com a cabeça, a interrompendo.
- Câncer tem tratamento, quimioterapia e essas coisas. - Ele declarou, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo e ela não tivesse pensado nisso. Ela entregou um sorriso amarelo para ele, o mesmo sorriso que ela odiava que dessem para ela.
- Estágio quatro. Não tem muito mais o que ser feito. Eu poderia ter começado o tratamento quando descobri, mas as chances de funcionar eram baixas. Preferi ficar aqui pelo tempo que me resta sem esse desgaste. - Os olhos de Marcos estavam perdidos e nublados. Uma careta contorcia seu rosto, como se a notícia causasse dor física nele.
- Quanto tempo? - Respirar era difícil e as lágrimas estavam ameaçando transbordar dos olhos de Marcos Paulo. Ele não queria chorar, ele deveria ser forte por ela.
- Dois a oito meses. Considerando que eu tenha oito meses, já gastei uns três.
Ele deveria ser forte. Sim, deveria. Tão forte quanto ela, que sorria para ele todos os dias mesmo com uma sombra gigantesca nublando seus dias. Mas ele não era forte. Ele era só Marcos Paulo, o namorado da garota do observatório, a mesma que tinha duas estrelas nos olhos, a mesma que estava morrendo. Então ele se agarrou mais forte a ela e chorou, com o rosto escondido no tronco da garota.
Ela deixou que ele chorasse até as lágrimas secarem.
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985 palavras
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Assim as estrelas morrem | ✓
Kısa HikayeSupernova: É um evento astronômico que ocorre durante os estágios finais de vida de uma estrela, que é caracterizado por uma explosão muito brilhante. ▪ Marcos Paulo, um estudante de Astrofísica que vive atrasando a entrega dos trabalhos, acabou con...