Desabafos 2

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DESABAFOS

As "vidas distintas" que carregamos por dentro, assim começaria, para que tivesse autoridade de apresentar o "Desabafos II". Hoje somos resultado de um conjunto de escolhas feitas por nós mesmos e muitas delas, alguém as fez por nós. Por conta da nossa natureza perfectível, muitas destas escolhas não foram as mais adequadas, gerando dentro de nós certas incoerências que eu chamo de "vidas distintas"; a ilusão do que deveria ter acontecido, pela realidade do que realmente aconteceu, fardos interiores incoerentes a aquilo que gostaríamos de viver por fora, um conjunto de informações que dentro de nós acabam por criar dois mundo opostos; o que vivemos e o que gostaríamos de viver; todo esse conjunto de informações gera dentro daquele que o carrega, um certo esgotamento do prazer pela vida vivida.

As brasas arruaceiras do descontentamento, que queimam nossa esperança, nosso amor, nossa confiança, trazendo para dentro de nós, cinzas de um passado mal explicado e de uma realidade questionada; os ventos quentes de solidão dispersos sobre as memórias que já se foram e não mais voltarão, os gritos, os risos, os amaços, e até mesmo as vãs contendas, tudo isso e muito mais, nós carregamos, e muitas vezes, não da maneira mais adequada, para que, pelo que vivemos, tenhamos ainda paixão em viver.

A meio de tudo isso, há também um meio de dispensação, a saber, "as palavras", o que disse, isso o disse e me libertou. As palavras não ditas são os fardos não dispensados de um passado mal explicado que promove uma realidade questionada. Pelas palavras eu me vou e permaneço na minha melhor versão, porque o que digo ao mundo, sou eu mesmo, mas esse "eu" muitas vezes não tem espaço dentro de mim, torna-se o maior agente de vidas distintas, como resultado, acabo por afogar-me em mim mesmo por insistir em manter-me dentro de mim. - Parece não ter sentido? Perfeito! Quem é o autor das memórias que são o gatilho das tuas tristezas? Quem é o autor das memórias que são o gatilho das tuas alegrias? Penso que com isso já tenhas percebido e já passou a ter um pouco de sentido. Surge então, entre as lareiras da esperança perdida, um grito sussurrado de socorro, o desabafo, a forma mais sutil e gentil de nos desfazermos das vidas distintas. Quando tomamos posse de nós mesmo e nos soltamos, como quem solta um passarinho à liberdade de poder voar, assim o somos; tudo em nós passa a ter mais sentido e ser mais coerente, nossos temores mais significantes porque passamos a entender o porquê de cada um deles; o passado mal explicado passa ter explicação, a realidade mal questionada ganha respostas e tudo isso, solta da nuvem de nossos amores um pouquinho mais de sabores.

"Desabafos" sou eu, és tu; uma maneira de nos libertarmos de nós mesmos e nos encontrarmos em nós mesmos, de nos questionarmos a nós mesmo e respondermos a nós mesmo. Desabafos é o que está ao meu redor, e o que está dentro de mim, é a minha visão e a minha audição também o é, por isso eu sei e o posso dizer, que quando desabafo também posso viver. Nas profundezas do "Desabafos II", uma demostração ousada das vidas distintas que carregamos dentro de nós, ideias e pensamentos incoerente que fazem de nós o que somos, e excluem-nos de ser o que poderíamos ser. Metades de vidas que nunca se completam, mas nos completam, assim vivemos; páginas soltas de um livro que nunca existiu, assim vivemos; pedras e mais rochas; troncos e mais tochas, queimadas nas florestas das nossas emoções, levando consigo nossas flores, nossos amores, nossas folhas, nossos horrores; levando consigo nossa vida. Se for ler, leia mesmo, como quem lê, se for desabafar, desabafa como quem desabafa, se for viver, viva verdadeiramente como quem vive, só não fiques pela metade.

- Pequena Onça 10.20

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