Creep

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Anya deu mais uma garfada no seu bolo, era o famoso 'dia do lixo', dia que se permitia comer o que tinha desejado na semana inteira.

O padeiro do início da rua já sabia: aos sábados a menina chegava, de cabelo cheio de nós amarrados em uma presilha feita de meias finas velhas, um short de pijama e uma camiseta de malha fria, nos pés era de lei as havaianas e meias brancas e se sentava perto da janela, onde o sol batia.

Os óculos eram incrivelmente grossos e refletiam olhos castanhos e animados por poderem comer doces o dia todo. Seus 1,80 chamavam a atenção e ela não se importava muito em como se portar, sentava de qualquer jeito e esperava seu pedido de toda semana: bolo de maracujá.

Aquela mulher era a sensação da rua, a peculiaridade do bairro tradicional. Comprava os doces mais caros e açucarados, só tomava Guaraná e Café Pilão.

Também falava mais que a boca.

- E aí, Phil? Bom dia! - Ela entrega uma nota de 50 e já abre a lata de refrigerante, ignorando os olhares de reprovação dos outros clientes que tomavam seus desejuns ali, estes geralmente de faixa etária maior, beirando os 50 anos. - Quando você vai me deixar tocar minha playlist aqui?

Phil, um homem no auge de seus 60 anos ria e olhava para cima para poder encarar Anya, já estava acostumado com o jeito de sua advogada ser. Ele a conhecia há dois anos, os dois perderam vários dias de sono montando uma defesa contra o banco, que tentava de todo modo usar a padaria, que era o seu único bem, como meio de pagamento de uma conta que foi feita em seu nome por seus irmãos.

Anya enfrentou, antes de tudo, o preconceito por ser de outro país: muitos juízes não julgavam a causa por alegarem improcedente o visto de uma estudante de mestrado advogar em solo americano. Entretanto, quando a sua tese foi aceita e ela se estabeleceu como mestranda, o juiz rapidamente julgou a causa como procedente à ela. No fim, ela tinha razão.

Ou como ela mesmo diz, todo mundo enfiou a língua no rabo.

- E eu sei lá o que diz essas músicas que você ouve, menina? - Anya ri e rola os olhos, pega as três sacolas com suas guloseimas e balança as mãos para o senhor no caixa. - Deus te abençoe!

- Amém! - ela grita, surpreendendo muita gente ali, por conta de seu tom de voz alto e forte repentinamente rompendo o silêncio.

Atravessou a rua e começou a descer o morro até o conjunto de apartamentos onde morava, o ar estava seco e gelado, mas os raios de Sol esquentavam o suficiente para que se deixasse o casaco em casa.

Acabou por passar por uma loja de verduras hidropônicas e acabou por comprar um buquê de couve-flor, o que a fez lembrar que já havia algumas boas semanas que não via seu vizinho do andar de cima, logicamente, os barulhos não cessavam, muitas vezes outras pessoas estavam juntas e às vezes até gemidos eram ouvidos.

As paredes das casas americanas eram muito finas, Anya torceu o nariz em desgosto e saiu com seu buquê de couve-flor pela rua, determinada a manter uma amizade com o cara que havia feito ela dormir com fome aquele dia.

Brendda havia procurado de todos os modos as características do Cara na internet, 'asian New York comedy', 'stand up asian comedy NY' e todas as suas vertentes, mas não encontrou nenhuma pista sobre o canal, até então, misterioso do vizinho de cima de Anya.

Subiu os lances de escada - para queimar um pouco das calorias obtidas - e colocou sua playlist pra tocar, foi para seu quarto e colocou seus cobertores na janela para matar os ácaros (sua mãe vivia ensinando isso), trocou os lençóis, aspirou o pó e passou cera para laminados. Então foi para sua sala, jogou sua mesinha de centro no sofá-retrátil-de-rico, colocou as cortinas de cor creme com passarinhos desenhados para fora da janela e ligou o aspirador de pó, dando graças a Deus não ter escolhido casa com piso de madeira, porque se não estaria dando brilho com os pés a tarde toda.

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