Lanterna dos Afogados

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Estavam deitados lado a lado, ambos cheios de Yakisoba e Coca-Cola.
— Fala uma música aí, 'Georgi'. - Anya fitava o teto azul com desenho de nuvens acima dos dois.

George fitava Anya com atenção, seus pelinhos no rosto eram escuros contra a pele branca, seu nariz tinha uma leve cicatriz que denunciava a rinoplastia que havia feito após guardar dinheiro por meses a fio, as bochechas ainda eram grandes e quando falava podia se ver o aparelho ortodôntico que ainda tentava colocar em ordem os largos dentes que viviam aparecendo quando ela sorria.

Os cabelos eram de um ruivo cheio de tons, resultantes de várias máscaras hidratantes diferentes e o óculos aviador era de aparência frágil. Ela era simples até em seu estilo.

Anya virou-se abruptamente para o rapaz ao seu lado, sua cabeça descansando em suas mãos e seu cabelo jogado para o lado enquanto o óculos desencaixava do arco de seu nariz.

— Você não vai entrar em coma alcoólico não, né? - George sentia seu rosto abobado enquanto a mulher a sua frente ria fraco de sua breve confusão. — Vou colocar uma música para relaxar, então. Quero saber mais de você, qual sua cor favorita?

- Cinza. - Miller imitou seu gesto e seus narizes se aproximaram e o sorriso do rapaz se abriu timidamente - qual a sua cor favorita?

- Gosto das cores, não importa qual seja, todas são importantes e ficam bonitas quando em sintonia. - Anya levantou-se, de modo desajeitado, e colocou sua playlist no modo aleatório, acabou por se incomodar com os descartáveis na mesa e decidiu por juntar tudo e levar para o saco de lixo preto que ficava na sacada, lugar onde se encontravam suas suculentas penduradas em vasinhos na parede amarelo escuro que foram pintadas por Gabriel ainda no início do noivado. Haviam, também, duas cadeiras de descanso em madeira, estofadas em couro branco onde em uma delas descansava Bibicão, um velho gato preto e branco que parecia ter preguiça de viver.

Restaram apenas a Coca-Cola dois litros, dois copos e um pavê de abacaxi que estava enjoativo demais, George levantou-se e silenciosamente parou no batente da porta da cozinha, Paralamas do Sucesso tocava baixinho e fazia o ambiente se tornar aconchegante, até mesmo íntimo. Anya estava observando as estrelas, sentada junto ao bichano que ronronava manhosamente querendo atenção de sua dona.

Quando está escuro

E ninguém te ouve

Quando chega a noite

E você pode chorar

Há uma luz no túnel

Dos desesperados

Há um cais de porto

Pra quem precisa chegar

Então, George Miller tomou um pouco de coragem e consciência e seguiu até onde a ruiva estava.

- Por quê você sempre está muito louco quando fala comigo, Georgi? - faltando apenas seis passos para que seu caminho estivesse completo a pergunta o pega desprevenido, fazendo-o titubear no meio da cozinha. 

Colocou suas mãos na pia de mármore e segurou-se para aguentar a vertigem que estava tomando o seu corpo, fazia tempo que alguém não prestava atenção em si, e era como em um sonho. Justo ela havia percebido seu jeito de não lidar com os problemas, chafurdando no lamaçal cheio de problemas inúteis que sua havia se tornado em poucos meses.

A jovem virou-se para traz e encontrou um homem perdido.

Perdido em pensamentos, na vida, em sua cozinha um tanto pequena.

Ele estava perdido e ela sabia que havia optado por qualquer caminho. Ela sabia que qualquer caminho serviria para quem não sabe aonde ir.

- Você. - A voz de George estava trêmula, ele já havia a imaginado tantas vezes, por quê se tornava tão difícil quando a realidade batia à porta? - Eu já tentei tanto, tantas coisas. Por quê você daria atenção a alguém que mal conhece? O que eu teria de diferente entre todos os homens que passaram por sua vida?

- George - as sobrancelhas de Anya se juntaram em confusão, sua voz era firme e não deixava transparecer os sentimentos que pareciam querer florescer em seu coração. - Você é singular e nem todas as pessoas irão entender como você vê a vida, somos adultos e por conta disso somos cobrados para sermos sempre sérios, decididos e responsáveis...

Levantou-se e seguiu até ficar na frente de George, que piscava lentamente e absorvia cada palavra dita pela jovem que sentia um calor em seu peito novamente, calor esse que só acontecera uma vez na vida.

E quando acontecera, ela noivou com ele.

Suas mãos seguraram o rosto de George, que tinha seus lábios entreabertos, olhando diretamente para seu rosto. O rapaz por sua vez não acreditava no momento que estava acontecendo ali. Era tudo muito surreal.

Aquele carinho delicado e de uma força imensa, que somente invadiu a dor que tinha, as mãos acariciavam sua barba por fazer e seu coração batia em seus tímpanos.

- Fugir não adianta. Nem da realidade, nem dos sofrimentos, nem dos sentimentos... - o riso escapou de sua garganta, Anya sempre seguia seu coração e ela sabia que seria ele o homem que ela apostaria todas as fichas e buscaria a felicidade ao seu lado. - Eu quero saber quem é você, George, e então poderei te responder porquê me sinto tão jovem ao seu lado.

E se desse errado? Ela sofreria como se fosse morrer.

E então floresceria novamente. 

E viveria novamente.

E então a vida se encarregaria de curar as feridas.

Uma noite longa

Pruma vida curta

Mas já não me importa

Basta poder te ajudar

E são tantas marcas

Que já fazem parte

Do que eu sou agora

Mas ainda sei me virar

Ela não estava receosa com George, mesmo sentindo que seus problemas o torturavam, algo lhe dizia que a felicidade estava ali. George segurou suas mãos e plantou um beijo casto em seus lábios, o gosto do molho de gergelim era o sabor mais estranho que poderia existir para um primeiro beijo. Era inusitado e desajeitado, afobado por parte do rapaz que não tinha nada em mente mas extremante calmo na parte da mulher que somente tinha certeza que o sol voltaria amanhã, mais uma vez.

— Eu esperei você a vida toda, Anya. Pode parecer desespero, mas é a realidade.

— Então nos faremos bem, deixa a vida se encarregar de levar nossos sentimentos para onde estiver destinado. — sentou-se no chão, em frente à sua geladeira e olhou para cima enquanto o mais novo pensava em mil lugares onde gostaria de estar, onde poderia estar e onde deveria estar. Anya levanta subitamente e vai para a sacada distinguir de onde vinha aquela música que era uma de suas preferidas, certamente de algum lugar com muito bom gosto.

Uma súbita vontade de dançar havia surgido no interior de ambos quando os primeiros aí acordes de Head Over Heels começava a ecoar longe, em uma boate que estava realizando uma festa de Flashbacks.

Ambos olharam-se divertidos e se entenderam em um único segundo, sorriram e de suas bocas saíram as palavras que fariam a noite ser diferente:

Vamos!

persona • J O J I •Onde histórias criam vida. Descubra agora