Bufei frustrada. Era uma piada, certo? tinha que ser. Talvez eu estivesse mais bêbada do que pensara.
Isso é o que eu gostaria que fosse, mas cá estão, mais reais que nunca.
- O que faz aqui? - perguntou-me curioso um garoto, cujo a aparência era tão igual ao outro que chegava a ser diferente. Enquanto o garoto que me importunava era loiro, a típica aparência dos filhinhos de papai, esse tinha cabelos castanhos. O porte físico era o mesmo, a cor da pele também.
que satã me livre de papai alcançar esse porte físico; pensei.
apenas dei de ombros e esperei eles saírem, o que infelizmente não foi o caso. Peguei-me perguntando a mim mesma se eles eram casais; veja bem: duas garotas e dois garotos cheio de hormônios, talvez role até pegação a 4. eca.
- Bom, se importa de ficarmos aqui com você? - dessa vez foi aquela voz que eu já conhecia: o loirinho. Só agora me dei conta de que não sei seu nome.
balancei a cabeça afimativamente, mas eles não parecem ter entendido o recado, por quê vieram do mesmo jeito.
Tiraram bebidas de dentro das 4 mochilas que carregavam, enquanto eu só observava. Todos os meus sentidos estavam gritando para correr dali.corra, corra para longe, corra, vamos Caroline, corra!
SAIA JÁ DAÍ GAROTA, VÁ PARA LONGE
de o fora, corra desviando das árvores, apenas corra.
sou interrompida dos meus pensamentos com uma mão tocando meu ombro. É o garoto de cabelos escuros, e está me olhando preocupado. Só agora percebi que eu encarava e trilhava mentalmente o caminho entre as árvores, e que minha respiração estava ofegante, em total sincronia com meu coração acelerado.
pela primeira vez em anos olho realmente nos olhos de alguém; e é desesperador. Ele me dá a sensação de que analisa minha vida toda só olhando para meus olhos. Vejo também que ele está com uma expressão estranha. Assutado? Curioso? acho que sim.
O empurro com força, por conta da proximidade. Isso é violação de espaço.
O baque da minha mão no seu peito fez dois barulhos: o barulho que normalmente faria por conta da força que usei e o barulho do meu pulso estralando; era a mesma mão que bati contra a mesa mais cedo. Meu pulso começa a doer mais do que alguma dessas patricinhas que me encaram assustadas poderia aguentar.Mas eu aguento; já estou acostumada a sentir dores físicas e emocionais e mesmo assim fingir estar bem. Não que isso faça a porcaria do meu pulso doer menos, mas faz com que eu simplesmente finja que nada aconteceu.
Enquanto todos me encaram surpresos, incluindo o garoto, que agora estava a uns dois passos de distância, eu levanto de uma vez. Porém, antes que eu possa dar um passo se quer, os efeitos da bebida me atingem.
Maldita hora para ficar bêbada. maldita hora que esses otários chegaram. maldita hora em que decidi vim pra cá. maldita hora em que esse loirinho desgraçado puxou assunto.
- eieiei, calma aí, você bebeu metade da garrafa de vodka, obviamente não está bem para andar - disse uma menina com cabelos curtos e azuis se aproximando. Pude perceber um certo receio na sua voz e em seus passos, e então a realidade me atingiu como uma lâmpada sendo acesa.
eles me viam como um animal. minhas atitudes pareciam a de um animal irracional. minhas roupas, meu jeito, meu andado. tudo. eu era completamente diferente deles.
nos primeiros 3 anos após o "acidente" eu tentei ser normal, eu juro que tentei. afinal, eu era apenas uma criança de oito ano com a vida toda pela frente, certo? errado.
minha vida se foi junto com a da minha família naquela droga de carro. só que de um jeito mil vezes pior. Eu passei a me odiar mais a cada dia que passava; me odiava por ver papai daquele jeito. Me odiava por fingir estar tudo bem, sendo que jamais estaria. Papai sofria muito mais, toda vez que olhava para mim lembrava do monstro que sou. Foi nessa época que tentei me matar, sem suceso, óbvio. Eu nao fazia idéia de como fazer isso, então peguei um canivete que papai sempre guardava em sua gaveta e o cravei na minha barriga. Eu não lembro de ter sentido dor, só de acordar numa cama de hospital cheia de coisas estranhas ligadas em minhas veias.
Então eu comecei a deixar transparecer tudo. Nao me vestia direito, não me forçava a comer, passei a tentar livrar minha dor todas as noites chorando ou esmurrando a parede do banheiro. Comecei a não ter mais medo de sangue, e até o via escorrendo pelo meu corpo as vezes. Eu achei que parando de fingir estar bem o tempo todo ia me ajudar comigo mesma, mas não foi: nesse ano papai me deu o primeiro soco, nesse ano todos me criticavam e faziam bullying, e eu achei que isso nao me afetava, mas de certa forma sim. Então, aos 14 anos, parei de lutar contra isso e aprendi a aceitar. Aceitei que eu jamais terei uma vida normal, aceitei as críticas que me faziam desde sempre, aceitei a presença do meu pai, apenas aceitei. Talvez eu não tenha superado minhas diferenças com todo mundo totalmente, por isso sempre tento ser invisível. Não é fácil ver as pessoas me olhando como se eu fosse uma atração de zoológico, e embora esse fosse o menor dos meus problemas, não deixava de ser difícil.Mas aqui estou eu, com a atenção de 4 jovens com vidas perfeitas para mim, um pouco bêbada e lembrando da merda de vida que eu tenho. Comecei a sentir meus olhos arderem, e percebi o que estava por vir: lágrimas. Não, não aqui, não agora, por favor.
Então, sem pensar muito, fiz a única coisa que me ocorreu, a única coisa que era pra eu ter feito desde o início: peguei minha mochila do chão e saí correndo. Desviava das árvores numa velocidade incrível para uma pessoa bêbada. E, naquele momento, quando já estava longe o suficiente para ninguém me alcançar, sentindo o vento contra meu rosto enquanto corria mais do que uma vez já corri, me senti livre.
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A ENTEDIANTE VIDA DE CAROLINE REIS
CasualeCaroline Reis, uma garota excluída que certamente não se encaixa em nenhum padrão estabelecido para adolescentes, talvez nem para seres humanos de qualquer idade. Sua vida é uma rotina, uma deplorável e amarga rotina. A estranha e excluída da turma...