01. As peripécias de Jimin, uma banda universitária e o guitarrista brega.

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(🌩) - capítulo um:


- Eu, você e uma noite inteirinha de rock no Greatest, topa?

Meus olhos deslizam pela madeira florestal que compõem a doca em que eu e ele estamos sentados, deixando de focar nos traços bem feitos da mais nova obra de arte feita pelas mãos gorduchas de Jimin, e focando agora em seus olhos, que estão me encarando cuidadosamente e com um brilho intenso de esperança enquanto aguardam a minha resposta.

É uma oferta tentadora, e claramente difícil de ser recusada. Mas algo na forma como Jimin e seu olhar cauteloso pairam sob mim, me faz pensar que há um motivo oculto por trás do convite. É como se Jimin não quisesse verdadeiramente minha companhia, mas sim, queria-me presente apenas para que ele não ficasse sozinho, ou recluso, como sempre acontece quando ele decide sair e eu não posso acompanhá-lo pois estou no meu turno sortido de seis horas na lanchonete.

Estreito meus olhos, tentando descobrir o porquê do pedido repentino, e qual é a real intenção de Jimin por trás disso, já que ele nunca gostou de sair para dançar ou se divertir, muito menos no Greatest, onde só bandas de rock se apresentam. E acontece que Jimin abomina a idéia de gostar de rock, em plena década de oitenta.

Como que pode?

- O que foi, Ji? - pergunta, as sobrancelhas escuras se mexem e ele faz a sua expressão mais falsa de desentendido. - Não quer ir? Você adora o Greatest!

Meu rosto relaxa, apenas para que eu possa fazer uma careta, e, em seguida, erguer minha sobrancelha para Jimin, que continua com sua cara de bom moço que não entende o que eu falo, como se eu falasse em outra língua - mesmo que eu ainda não tenha dito nada.

- Não está livre essa noite? - ele pergunta rápido dessa vez, e percebo que essa é uma das reações que Jimin têm quando está nervoso. E, se ele está nervoso, qual é o motivo? - Você tinha me dito que a senhora Kim havia autorizado a sua troca de horário nessas férias, então vai estar ocupada com o quê? Por que não pode ir comigo?

- Hey, espera. - digo, ainda absorvendo tudo o que Jimin disse nos últimos dez segundos, e franzindo meu cenho quando entendo tudo. - Eu havia te dito que a Gyu me liberou durante a noite, mas não comentei que havia trocado os horários.

Seus olhos delineados se arregalam levemente, e sua boca se entreabre, deixando Jimin paralisado por milésimos de segundos, antes de baixar o olhar para a madeira da doca, e alinhar os lábios. Ele está envergonhado, o conheço bem para decifrá-lo tão facilmente. Mas, outra vez, ainda não sei o porquê.

- Quem te disse sobre a troca de horários? - pergunto firme, o cenho ainda franzindo em confusão e uma raiva genuína. Não consigo ficar brava de verdade com Jimin, quando ele parece um gigante bolinho de arroz, mas, a raiva floresce em mim quando cogito a idéia de que esse bolinho de arroz andou procurando se o que eu digo à ele é verdade ou não. E eu realmente odeio quando as pessoas duvidam das minhas palavras. - Hm?

Jimin levanta seus ombros, começando a deslizar a ponta do dedo na madeira, fazendo algo como estrelinhas. Observo com paciência o seu desenhar de um céu estrelado, aguardando a resposta para a minha pergunta, que agora também se repete em minha mente, tentando encontrar qualquer um que tenha dito sobre os meus horários para Jimin. Mas não há ninguém, levando em conta que eu recebi a notícia de que meu turno havia  mudado ontem, e Jimin foi o primeiro a saber sobre isso.

"Quem te disse sobre a troca de horários?"

- Jimin...? - o chamo, e suspiro frustrada, não  conseguindo segurar a minha cara de brava por mais um tempo, já que Jimin parece mesmo envergonhado com qualquer que seja a resposta.

Me aproximo e toco seu ombro, relutante, imaginando as minhas coisinhas que se passam na cabeça dele. Jimin tem certos problemas com auto aceitação, depressão e ansiedade, me fazendo pensar se algum deles tem haver com o motivo de não me responder. Ou se todos eles tem.

- Quer me dizer o que aconteceu? - vejo Jimin morder o lábio, tombando levemente a cabeça para o lado, que permanece abaixada. Aperto um pouco seu ombro, recomfortando-o, independente do motivo que esteja o aflingindo. - Sabe que pode me contar tudo. Somos melhores amigos, não é?

Ele afirma levemente com a cabeça, e só então ergue-se e deixa com que seu olhar encontre o meu. Tento transmitir acolhimento diante meu olhar, percebendo a insegurança que cobre os olhos do meu melhor amigo. Mesmo ainda me remoendo por dentro.

Por que tanta insegurança, medo e vergonha?

- Eu sou gay.

O fiapo de voz que sai de Jimin indica que ele está falando não só verdade, como também está compartilhando um segredo comigo. Um segredo que ele com certeza guarda a sete chaves dentro de seu coração. E isso me pega totalmente desprevenida; um tapa bem desferido em meu rosto, que queima, arde, doí e me faz querer chorar, mas que não é um choro pela a dor que eu sinto, é pela dor que Jimin sente, ou que sentirá futuramente.

Meu melhor amigo é gay; um bolinho de arroz com bochechas gordinhas e um metro e sessenta de fofura é gay; um membro da tão rigorosa família Park é gay. Park Jimin é gay.

Agora entendo completamente o motivo de sua insegurança, de seu medo e de sua vergonha. Minha nossa, ele é gay!

"Gay, gay, gay. Eu sou gay."

- Jim-min... Ahn... - minha boca se abre e fecha, ainda em choque com a notícia, assim como todo o meu corpo paralisado por esse choque. Quero mais do que tudo dizer palavras bonitas a Jimin, e mostrar à ele que não sou preconceituosa, ou que vou abandoná-lo, ou que vou gritar para todos o segredo que ele acabou de confiar a mim para que seja guardado. Mas minha boca não projeta sequer um ruído coerente.

Percebo que os olhos de Jimin estão prestes a se lacrimejar, e isso me corta o coração de uma forma tão intensa, que consigo vencer a paralisação em que meu corpo se mantinha, para abraçá-lo forte, num pedido não dito de desculpas pela minha falta de apoio com as palavras. E ele envolve meu tronco com os braços, tão forte quanto eu envolvo os seus, me fazendo sentir os pedacinhos do meu coração quebrado se partirem ainda mais. E todos deles temem que possam se voltar contra Jimin, para que se finquem nele, para que ele sinta a dor de ser como é, de ser homossexual. Então meus olhos também ameaçar a chorar, pois sei que é exatamente isso que todos da família vão fazer quando descobrirem; vão descontar suas frustações em não ter mais um Park perfeito, e heterossexual, na sua árvore genealógica.

Os Parks são patéticos, e infelizmente eu e Jimin fazemos parte dessa família machista, opressora, narcisista, que acreditam que a perfeição existe, e que ela carrega nas costas o sobrenome Park.

Os milhares de pedacinhos do meu coração se apertam, e é uma dor horrível, dilacerante, que faz com que eu comece a chorar no ombro de Jimin sem me dar conta. Pensando em tudo que ele terá que enfrentar, até os restos dos seus dias, me faz  soluçar intensamente. E outro soluço escapa quando penso que talvez Jimin não sobreviva para contar a história de como quebrou as barreiras de uma família tão idealista quanto a Park; seu pai pode matá -lo se descobrir.

Me aperto mais em seu abraço com a estranha sensação de que vou perder a melhor pessoa da minha vida, meu melhor amigo. E sou egoísta a ponto de não querer que ele se vá sem mim.

- Não posso perder você. - murmuro, reprimindo um soluço, apenas para que outro me rasgue de dentro para fora assim que fecho a boca.

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