Rindo com a morte

619 63 36
                                    

Não quero que minha vida tenha passado em vão, como a da maioria das pessoas. Quero ser útil e trazer alegria a todos, mesmo a aqueles que jamais conheci. Quero continuar vivendo depois da morte.

Anne Frank- O diário de Anne Frank.

Você percebe a sua respiração? O grande e complexo sistema que engloba a entrada de ar e todo o processo que ocorre? É algo tão inconsciente, implícito e humano que ninguém nunca pensa sobre, mas quando se começa, você nunca consegue parar.

É como a ideia de morte. Todos sabemos que um dia, a linha vai acabar, e tudo o que você comprou, amou, odiou e concertou vai ficar e se degradar nas areias do tempo, junto com a sua existência.

Eu comecei a pensar sobre isso depois do primeiro funeral em que presenciei. Foi de um colega de faculdade de meu pai, sr. Watson, e eu me lembro de cada aspecto daquele dia. Como meu vestido pinicava perante ao Sol, o cheiro doce das dezenas de flores espalhadas pela sala, os sussurros contidos que pareciam chiados de uma TV fora do ar, das lágrimas derramadas e do morto, plenamente aconchegado em seu caixão de madeira, me perguntei várias vezes se ele estava confortável. Depois disso, sempre pensava se meu funeral seria do mesmo jeito, agora acho que esta mais próximo do que nunca.

Se você quer saber, depois que tudo ficou preto, eu não vi minha vida passando diante dos meus olhos nem me senti leve e comecei a flutuar pela sala sussurrando palavras de reconforto e solidariedade a minha mãe; eu apenas continuei ali, parada e empedrada, não ouvia nada, não via nada, não sentia nada.

Era tudo preto, completamente apagado.

Em meio aquilo uma silhueta começou a se mostrar, era alto e largo e certamente segurava uma arma, mas eu não me importava. Estou morrendo! Queria gritar O que você vai fazer com isso?!

- Acho que, se seu nome estiver na lista, eu vou levar sua alma; não é?- Me assustei por alguém ter respondido, com uma voz grossa e angelical, quase como se temesse suas próprias palavras. Olhei para os lados (não me pergunte como, estou em leito de morte, não tenho muitas respostas).

Quem é você? Perguntei em pensamento.

- Depende... – falou misterioso – cada um tem um pensamento diferente sobre mim. –

Então provavelmente eu também tenho. Mas só vou ter, ao menos uma especulação se você me der alma dica. Tentei mais uma vez. A voz deu um riso contido.

- É, mas eu prefiro que tentem adivinhar sem dica, torna tudo mais divertido. – Falou em um tom que mesclava brincadeira e seriedade.

Me imaginei dando os ombros. Então vai ficar ai por um tempo, não estou com vontade de jogar mais. Lhe respondi grossa, realmente, fiz tudo o que pude, até o ultimo instante.

- Já cansou? - visualizei que estava sorrindo enquanto perguntava.

Não diria isso.

- Então se voltasse, continuaria a lutar? –

Sim Respondi sem pensar.

- Por que? –

Porque... porque... porque... eu ainda não terminei.

- Todos dizem a mesma coisa. – Falou entediado.

Ainda não terminei minha missão. E devo 10 dólares e uma jaqueta, agora vou ficar sem pagar. Finalizei ignorando seu comentário. Ele riu e se materializou em minha frente.

Ele não era realmente enorme, mas as asas que cobriam suas costas lhe davam esse efeito, negras e esbeltas, as penas farfalhavam com os movimentos de seu corpo, coberto por um terno extenso e preto que contrastava com as longas mechas cinzas e seu olhar feito de neve, tão frio quanto.

Filha de Nyx. A herdeira da noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora