Clara faz o Tsuru.
Depois que finda, uma luz surge em seu peito feito uma lanterna apontada para o diafragma.
Não só a luz brilha. Seu rosto também. Acende. As marcas de óbito começam a desaparecer e, num instante, parece que ela volta à vida.
Sua pele perde o tom pálido.
Suas sobrancelhas são grossas.
Seu corpo é magro.
O cabelo dá no ombro.
O nariz é pequeno.
E os olhos... Os olhos vivos de Clara.
Leonor está atônito. Seria Clara a imagem de uma anja? Estaria ela agora despontando para o céu? Seus olhos jamais enxergaram ou enxergariam tal paisagem. Nem o horizonte que costumava fitar era assim. Era lindo, de fato. Mas Clara é magnânima. Tem seus pés no chão, mas, como se tivesse tomado por algum efeito hipnótico, Leonor a vê flutuando, cintilando com seu vestido branco.
― Leonor ― ela diz. Sua voz é a mesma, com pouca dicção. Ela o abraça. ― Obrigada, Leonor. Muito obrigada.
Os lábios do jovem tremem.
― Pelo quê? ― ele consegue falar.
― Por ajudar com o meu desejo ― ela sorri. ― Sei o motivo de estar aqui. E apesar de correr pela cidade um boato mau contra os mortos, eles não lhe farão nada. Leonor, eu te entendo. As pessoas são rasas. São retas, como se fossem papel. Entediantes. E apesar de você ser humano, não precisa ser igual. Se você é papel, faça um origami, não é mesmo? Eu não tenho muito tempo, mas quero me prometa uma coisa. Volte para casa. E faça o que você faz de melhor. Você me promete, Leonor?
Meio contrariado, ele responde:
― Sim, eu prometo.
― Então vá ― ela diz.
Ela se despede dele com um beijo em sua testa. Um beijo quente e acolhedor capaz de cobri-lo do frio.
Leonor, chorando sob a chuva, corre para casa desesperado. Grita pelos seus pais que rápido o atende em prantos.
― Desculpa ― Leonor balbucia.
Eles se abraçam.
Leonor percebe o que havia sentido desde sempre. Percebe também que ele ignorara o que sentira. De fato, ele só queria dobrar algumas folhas, transformar o papel em nuvens, em sapos, dragões, serpentes.
Transformar o papel em Tsuru.
No outro dia, depois da chuva e do vento, no meio da rua de terra, algumas pessoas reúnem-se envolta do fenômeno que, porventura, havia surgido.
Uma árvore grande, firme e quieta faz da rua sua morada.
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Origami
General FictionToda vez que há chuva e vento, os mortos se levantam. A chuva serve como despertador, enquanto o vento anima o corpo. O jovem Leonor, ao saber que os mortos se levantarão, caminha até a cidade, pois vê nisso uma oportunidade para cometer seu suicídi...