Eu não podia mais continuar vivendo na minha casa, era desesperador, aterrorizante, um pesadelo com vida! Eu rastejava sobre a minha pele, e falando em pele, a minha estava repleta de cicatrizes. Mas não serei hipócrita, nem todas elas eram feitas por eles, algumas eram por minha conta, principalmente as que se encontravam próximas ao meu órgão genital.
Depois de eu ter descoberto que a razão para todos acreditarem que eu era um menino, era devido ao fato de eu ter um pênis, passei a culpar o falo por tudo de ruim que acontecia em minha vida. E falando em vida, isso era outra coisa que eu estive perto de perder muitas vezes.
A situação que eu era obrigada a viver em "minha casa" era tão insuportável, que as vezes eu sentia vontade de ir morar no inferno, que era o que todos na escola diziam que aconteceria comigo quando eu morresse.
Tentei tirar minha própria vida várias vezes, eu não queria mais ter que viver chorando e me sentindo como alguém desprezível. Uma vez eu quase consegui, engoli cinco cartelas inteiras de amoxicilina, não tinha como sobreviver à aquilo! Comecei a passar mal, muito mal, minha visão ficou turva, meus batimentos cardíacos aceleram, e depois aceleram mais, e mais, e mais, até que eu caí inconsciente no chão do banheiro. Eu não sentia dor, não sentia agonia, pelo contrário, a minha alegria em finalmente me livrar de tudo o que eu tinha que suportar era muito maior!
Até que eu acordei. Onde eu estava? Eu tinha mesmo morrido? Não! Eu continuava deitada no chão do banheiro, só que agora cercada por uma enorme poça nojenta de vômito com um fortíssimo cheiro horrível de antibiótico. Minha cabeça latejava de dor, meu cérebro parecia estar prestes a explodir, eu me levantei, olhei ao meu redor, comecei a chorar. Eu não pudia acreditar! Nem direito à morte eu tenho? Eu não suporta mais aquilo tudo, eu não suportava mais!
Levantei, dessa vez me pondo de pé (ou pelo menos tentando!). Que dor forte na cabeça! Me manter de pé estava sendo realmente um desafio. Eu só conseguia chorar. Estava sentindo muito ódio, de tudo e de todos. Que vida desgraçada!
Comecei a retomar conta da realidade, eu precisava limpar aquela sujeira toda. Fui cambaleando e completamente atordoada até a dispensa, peguei álcool, um pano de chão, candida, detergente e uma buxa. Voltei ao banheiro ainda atordoada, e comecei a limpar, minha cabeça doía demais! Mas enquanto eu limpava toda aquela nojeira, não parava de pensar nem um segundo, eu não iria mais viver daquela forma, e se a minha morte não sería a solução para os meus problemas, a morte de quem me fazia sofrer sería!*****
É incrível como situações extremas causam reações extremas! Meu desespero por não ter mais que viver sob aquela situação de tortura era tão grande, que eu estava desconsiderando completamente o valor da vida de qualquer um, inclusive a minha própria.
Quando anoiteceu, e todos foram dormir, eu esperei um tempo até ter certeza que todos tinham adormecido, e depois que todos já haviam caído no sono, eu me levantei. Fui até a gaveta de talheres da cozinha, peguei a maior faca de cortar carnes que nós tínhamos, e fui em direção ao quarto de meu padrasto. Eu estava aterrorizada, meu coração parecia querer saltar pela minha boca, o que eu estava fazendo? Comecei a me sentir um pouco tonta, mas eu não iria parar! Ele me torturou! Me espancou, amassou objetos contra o meu rosto, me humilhou, fez eu me sentir como se eu fosse o pior ser vivo da terra, e tudo isso por que? Simplesmente porque eu não quero ser um menino, eu não sou um menino! Eu nunca fui! E eles não tem a obrigação de entender isso, mas nada justifica o que fizeram comigo, eles tem que pagar! Ele vai pagar!
Continuei em direção à porta do quarto dele, eu estava agora mais determinada do que nunca. Cheguei, minha mão foi direto em direção à maçaneta, a girei, empurrei, não abriu. Droga! Está trancada. Como eu pude pensar que isso daria certo? Meu deus... O que eu estava fazendo? O que tinha na minha cabeça? O que a minha avó pensaria de mim se eu matasse alguém? Eu não podia fazer aquilo! Nem hoje, nem nunca mais!
Mas se engana quem pensa que eu me conformei, eu ainda não queria mais viver naquela situação, chega! Olha no que eu estou me transformando, não, eu não posso mais viver aqui. Eu preciso fugir!
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With love, Abar!
AcakUma história que mescla vários universos criando o meu próprio. Nossa protagonista, Abar, é uma garota trans que já passou por muitos maus bocados e agora está em busca de obter o corpo e os poderes que sempre sonhou tanto em ter. Ao lado de seus am...