0.02 - We couldn't go very far cause you locked your keys in your car.

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❝–– Pare de se exibir, aposto que seu sotaque é falso –– acusei, gargalhando com sua expressão ofendida.

Uma de suas mãos deixou o bolso da jaqueta, deslizando pelo peito coberto pelo fino tecido da camiseta branca e sua boca abriu em completo choque. Me curvei para frente, não conseguindo parar de rir, sentindo meu rosto esquentar e meu abdômen protestar por tanto esforço.

Taehyung continuou com seu pequeno teatro por mais um ou dois segundos, devolvendo a mão para o bolso aquecido do casaco e abrindo um sorriso de canto.

–– Nunca te mostraram como os franceses são bons, não é? –– arqueou as sobrancelhas e seus olhos brilhavam em provocação.

Ele não estava flertando... ou estava?❞

☸☸☸

Nova Iorque, onze da noite. 1994.

O garoto francês foi gentil e compartilhou mais alguns de seus cigarros mentolados comigo – um desconhecido completamente molhado pela chuva e quase sem um maldito tostão no bolso.

Ele me fez rir por minutos inteiros e sem interrupções, contando suas histórias e piadas hilárias que mais insultavam americanos do quê qualquer outra coisa, mas eu não poderia ficar ofendido, tendo conhecimento de tudo que saía de sua boca e que não se afastava da verdade.

Mais trens passaram diante de nossos olhos, bagunçando meus cabelos soltos e enrolados demais sobre os ombros e o mullet bem ajeitado de Taehyung no topo da cabeça, o vento correndo na estação e me fazendo estremecer ainda mais dentro daquele sobretudo úmido.

–– Pardon Jeonggukie, mas você tem como ir para casa? –– suas sobrancelhas estavam erguidas em dúvida, os olhos castanhos curiosos pairando sobre mim. Ele lambeu os lábios de uma forma tentadora e balancei a cabeça em sua direção, pressionando a pontinha do cigarro mentolado contra o ferro do banco.

O olhei novamente e pensei: "é cedo demais para começar a cair?".

–– E-eu... eu... huh... n-não.

Taehyung franziu a testa daquela vez, rugas se criando em sua pele beijada pelo Sol em toda a sua glória. Ele se levantou em minha frente e escondeu as mãos enormes e que aparentavam ser macias até demais – desculpe, Deus, por reparar tanto – nos bolsos fundos de seu jeans preto, seus olhos ainda pairando sobre mim com uma confusão quase palpável.

–– Você não tem moedas para o ticket? –– disparou alto, me assustando quando bateu o pé no chão sujo como se estivesse chateado.

Me levantei também, cruzando os braços.

–– Não se preocupe com isso, Kim. São só onze horas... e-eu consigo me virar –– garanti lentamente, engolindo em seco em seguida.

Ao menos sabia de onde tinha tirado coragem para dizer-lhe aquilo já que cada palavra que saía de minha boca era mentira e me faltava uma grande dose de juízo e vergonha na cara para admitir ao garoto francês que, sim, é claro que sou um enorme azarado que não dormirá na própria cama naquela noite congelante.

Ele me encarava com a boca entreaberta, como se estivesse chocado com aquele pequeno e simples detalhe recém descoberto.

–– Eu não posso deixar você aqui –– disse, a voz baixinha e totalmente firme. Olhou ao redor por apenas alguns segundos, retornando seus olhos aos meus e saindo na direção da bilheteria com rapidez.

Eu caminhei atrás dele com pressa, parando ao seu lado na frente da atendente dentro da cabine, tocando sua jaqueta de couro e puxando seu braço. Taehyung me encarou com dúvida, a carteira já ocupando uma de suas mãos, e eu podia sentir as lágrimas se apossando de meus olhos de jabuticaba com rapidez.

Behind the ColorsOnde histórias criam vida. Descubra agora