A Moça de Azul

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A moça de azul

     Era como se tudo tivesse vindo à tona: as noites mal dormidas, o cheiro das fraldas, as tosses fortes, os gestos acanhados, os pequenos passos... Agora, era a vez do broto dar seu amparo. Ela então curvou-se diante do caixão e beijou-a na testa, deixando os rastros de esperanças para trás e sentindo a sala ao seu redor inundar. Os peitos arfados, a sensação de flores murchando e a terra amolecendo. Chuva doce para tempestades de amor.

     Olhei para o meu irmão: nada havia. Sem alma e sem coração, levou-se para a sacada ao lado, juntando os últimos fiapos de cólera que haviam sobrado por ela e atirando-os contra as cascatas molhadas que corriam no chão. Toda vez aquele café com gosto de cinzas, polvilhado à sete velas e com um pouco do pólen da coroa de flores ao lado, sobre a qual pude encarar "nós te amaremos eternamente" numa faixa transversal – praticamente banhada a sangue, em minha imaginação.

     Os sapatos azulados do tio Albino me chamaram a atenção. Pareciam estar se reencontrando após muitos anos, fazendo com que cada passo fosse uma surpresa aos seus próprios pés. Incrédulo chegou, anil voltou. Começaram a cantar notas em sol e dó, embora as vibrações pudessem ser mais lá. Mamãe olhou novamente para ela e, num ato de misericórdia, a abracei antes que pudesse voltar a lamúria perfeita.

     "Meus pêsames", falou um moço. "Cinquenta anos com a moça companheira, cinquenta anos de ardor sem lei", proclamou Seu Moço. Os biscoitos estavam acabando, a água evaporando, o café esfriando e qualquer alento que ainda tínhamos, foi enterrado junto com ela. Meus tios jogaram rosas, minhas tias, margaridas. Os irmãos, reunidos, jogaram seus corações. Não pude jogar o meu, ela estava aqui comigo ainda. Olhei para mamãe e perguntei:

– Para onde a vovó vai?

     Ela se abaixou, pegou minhas mãos e disse:

– Ser a estrela que o azul do céu merece.

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