Estava eu concentradíssima nas lições passadas por minha mui amiga e professora de ballet, Amélia Moreira, quando o lírio dos vales, a canção que ecoa em minh'alma, surgiu à porta perguntando à Amélia se poderia ser concedido a ele a honra de entrar. Amélia, possuía imensa admiração por L e tomada por um sorriso estridente, o concedeu tal honra. Quando vi o meu amado se aproximar de mim, senti as pernas trêmulas, o coração acelerado, a visão enturvecida e os pensamentos evaporarem até virarem nuvens. Eu havia perdido todos os sentidos e ganhado todas as sensações. L contou que estava passando pelas redondezas em busca de uma farmácia para comprar um remédio que curasse sua dor de cabeça e decidiu me surpreender com uma visita; de fato, fiquei surpreendida. L tomou uma cadeira que se encontrava perto da porta para si e a levou para a parede esquerda do salão na intenção de se sentar e descansar do passeio feito enquanto assistia e apreciava cada movimento corpóreo meu, cada plié, cada adagio, cada tendu, cada expressão facial, cada jogada dos meus loiros e longos cabelos, cada piscada dos meus olhos oceânicos.
Eu morava no Leme: um bairro vizinho ao da escola de dança e não media esforços para caminhar até o local, já L, morava em um bairro um pouco mais distante e como possuía uma motocicleta, costumava ir até minha casa a pilotando. L nunca havia ido à escola de dança, nem a pé, nem de motocicleta, nem para me ver e nem por outros motivos; aquela foi a primeira vez que fixou seus pés masculinos no chão daquele imóvel. Acabada a aula, Amélia se despediu dos alunos, veio até mim, me entregou as chaves do salão e pediu-me para trancar todas as portas pois ela tinha que comparecer à uma reunião importante e já estava extremamente atrasada. Eu recebi as chaves com delicadeza e no mesmo instante ela se foi, me deixando a sós com L, que fruiu da oportunidade para incitar-me à uma dança. Dançamos os mais variados gêneros musicais e nos beijávamos a cada intervalo entre as danças. Dançamos como se precisássemos daquilo para sobreviver, dançamos como se o mundo fosse acabar naquele dia e como se a destruição mundial fosse começar por aquele salão. Dançamos a tarde inteira, a noite inteira e nos retiramos daquele local onde as mais belas memórias foram eternizadas apenas na manhã do dia seguinte.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Helena
RomanceTudo começa quando Helena, uma jovem bailarina carioca de 23 anos é assassinada pelo seu próprio namorado na véspera de Natal. Helena narra os acontecimentos precedentes à data de sua morte diretamente do mundo dos mortos.