29 - Inconstante

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Ainda sem revisão, portanto, desculpem os errinhos e desfrutem do capítulo.
💙✨

🎶 Olha, você vive tão distante
Muito além do que eu posso ter
E eu, que sempre fui tão inconstante
Te juro meu amor
Agora é pra valer

Olha vem comigo aonde eu for
Seja minha amante e meu amor
Vem seguir comigo o meu caminho
E viver a vida só de amor 🎶
Olha - Chico Buarque

***
Antonieta teve muito trabalho para evitar as constantes interrupções que aconteciam, como de costume, na sala de Victoria. Ela conhecia muito bem sua amiga. Sabia que a barra estava pesada e que Victoria praticamente não havia respirado, desabafado, tido tempo para assimilar tudo o que estava acontecendo. E o primeiro e mais importante sinal disso, era sua insegurança.

Antonieta e Victoria se conheciam havia dezenove anos. Logo que saiu da casa de Ana Joaquina, foi contratada para produzir uma encomenda especial numa pequena confecção da periferia. Antonieta também fazia parte dos funcionários dessa confecção e, desde então, haviam se tornado as melhores amigas.

Quando com uma pequena ajuda de Osvaldo Victoria pôde montar seu ateliê, meses depois, não pensou duas vezes em convidar Antonieta para trabalhar com ela e, a partir dali, ela era a primeira pessoa na escala de confiança para Victoria, uma das únicas com quem ela conseguia abrir o coração, a única com quem ela conseguia ser completamente verdadeira e com quem ela não tinha receio de mostrar suas vulnerabilidades.

— Onde está o Pipino? Deixei ele encarregado de me mostrar alguns esboços de modelos para o desfile de Miami, ele está atrasado. — Victoria ainda fragilizada perguntou tentando se reconectar com o trabalho.

— Eu o dispensei. — Contou Antonieta. — Pedi que ele lhe mostrasse os desenhos mais tarde. Você não está em condições. Agora, tudo o que você precisa é tomar um chá, conversar e relaxar um pouco.

— Eu devia te dar um bronca por fazer isso. — Ela disse com um discreto sorriso. — Mas, você sempre soube, melhor até do que eu mesma, o que era melhor para mim.

— Conte-me. O que te faz pensar que Bernarda pode tirar Heriberto de você?

— A vulgaridade, a depravação e a competitividade dela.

— Mas você não está considerando o amor, a fidelidade e a lealdade de Heriberto, Victoria. Esse homem te ama. Te ama ao ponto de abandonar convicções inabaláveis por você. — Recordou a amiga romântica.

— Antonieta, eu não tenho certeza, mas acredito que fui a única mulher de Heriberto. — Victoria abriu inseguranças que ela ainda não havia sido capaz de falar em voz alta. — O que você acha que pode acontecer se Bernarda começar a se insinuar para ele, lhe despertar a curiosidade de ter uma mulher diferente...? Há coisas em mim que o incomodam, ele pode se cansar de mim, eu sempre fiz questão de deixar claro que não queria uma relação convencional...

— Mas isso foram escolhas unicamente suas, amiga. — Antonieta conhecia bem cada pedaço daquela história. — Heriberto queria o mundo com você. Tenho certeza que até em casamento ele pensa. Ele não deseja um mundo de descobertas, novidades, vulgaridade, depravação que Bernarda pode lhe oferecer. Ele deseja uma família... Seu amor.

— E o que eu faço com esses ciúmes? — Ela disse com a voz embargada. — Eu não estou acostumada a sentir isso. Um bolo na barriga, uma ansiedade, uma avalanche de incertezas... medo! — Levantou os olhos e a encarou, era quase um pedido de socorro.

— Se abra com ele, Victoria! — Antonieta foi direta. — Seja sincera sobre seus sentimentos, seus medos, suas incertezas. Vocês precisam enfrentar isso juntos.

— Eu não posso. — Decretou ela. — Não posso deixar que Heriberto saiba da importância que tem em minha vida porque um dia ele pode usar isso contra mim e eu não...

— E que diferença faz? Você não quer tornar sua insegurança munição que Heriberto tenha contra você, mas já parou para pensar que ao sufocar tudo isso aí dentro, você está se sabotando? Você mesma está usando seus medos contra você e contra essa relação?

***

Naquele dia Luiz tinha um plantão no hospital Continental e aproveitou o momento de seu intervalo para fazer uma visita a Heriberto. Desde que aceitou o emprego no grande hospital ele havia tido menos tempo para se dedicar à ONG e, tirando algumas visitas que fazia ao seu flat, os amigos tinham pouco tempo de se ver.

— Vejo que você está muito bem instalado aqui. — Observou Luiz. — Sente falta da estrutura simples da Ong? — Sorriu.

— Você sabe que sim. É só questão de eu me organizar aqui para que eu volte a ter um tempo por semana pra lá. Não posso viver sem esse contato com as crianças... os mais humildes. Ainda que eu tenha deixado o sacerdócio, o trabalho social faz parte de mim, isso não vai mudar.

— Sim, mas para ser um homem comum, um trabalho regular, como esse aqui no Continental, é fundamental. E mais para um que tenha uma relação com uma mulher como Victoria Sandoval.

— Nem me fale. — Heriberto sorriu. — Apesar de tudo, vale a pena!

— E, como estão as coisas? Depois daquilo da viagem para Miami, você não se sente inseguro?

— Estar com Victoria é um constante furacão, Luiz. Eu nunca sei o que vai acontecer daqui a cinco minutos, o que dirá amanhã, ou daqui a três meses. — Confessou Heriberto.

— E isso não te incomoda?

— Pra falar a verdade... sim! — Heriberto não sabia não ser sincero. — Eu sou um homem muito diferente, Luiz, você me conhece. Não estou acostumado com essa montanha russa, essa incerteza, essa inconstância.

— Acho que é por causa da sua mãe. Você é uma pessoa que sempre foi muito privada de tudo, meu amigo. Seu subconsciente grita por liberdade, mas ao mesmo tempo, você precisa de segurança. E, essa inconstância de Victoria, não pode atrapalhar a relação de vocês?

— Acredito que já está atrapalhando. — Ele explicou. — Victoria me dá tudo que eu sempre quis, apesar de conter tudo que eu nunca quis.

— E vocês já conversaram sobre isso? Porque, veja bem, meu amigo, uma relação é como um sapato, precisa ser confortável. Se tiver uma pedra, um lugarzinho em que ele te aperte ou estiver folgado demais é abandonado ou trocado.

— Acho que você tem razão. Preciso falar com Victoria com sinceridade antes que isso se torne um problema maior em nossa relação. Eu não quero perdê-la, mas eu queria, eu precisava sentir que ela também tem medo de me perder.

— Boa sorte, meu amigo. — Sorriu Luiz. — Eu tenho que ir. Tenho um paciente do outro lado da cidade daqui a uma hora.

— Eu também preciso ir. Victoria tinha uma sessão de fisioterapia, já deve estar acabando, vou encontrá-la e levá-la para jantar. Talvez seja o momento para essa conversa tão complicada.

Quando saíram da sala Heriberto se despediu de Luiz e sorriu ao olhar para o lado esquerdo do corredor e ver Victoria se aproximando sorrindo. O sorriso de Victoria foi se desvanecendo quando ela foi chegando perto e levantou seus olhos por sobre o ombro de Heriberto. Ele, sem entender sua transfiguração, olhou para trás e viu Bernarda saindo da sala do doutro Eliseu e se aproximando com um inquestionável ar de satisfação no rosto.

***

Estranha SensaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora