4 - Caminho Distorcido

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Fracas e geladas caíam as gotas da chuva naquele momento no meio daquele colossal arvoredo. Um barulho humilde ecooava, tão agradável de se ouvir que o próprio rapaz que despertara de um sono forçado se recusava a se levantar. No entanto, aquela era a Floresta Sibéris. Ficar exposto da maneira como estava não se mostrava uma ideia muito inteligente, o rapaz tinha isso em mente.

Kaleb se ergueu ligeiro, quase vacilando, as pálpebras como bigornas e sua cabeça latejava. No corpo, sensação de formigamento, mas que não lhe tirava a concentração. Endireitou-se, examinou as cercanias, sem nenhum movimento a não ser os balanceios das folhagens verdes e amarelas. Estava sozinho, porém, só naquele ponto da Mata. Ele sabia que, a alguns quilômetros, perambulavam outros seres vigiando a Floresta. Entretanto, somente se espreguiçou, mantendo silêncio no seu corpo.

Os pés tocaram o pavimento da trilha completamente molhada. Caminhou. Lembrou da última coisa que tentou fazer antes de cair no sono, a boca se converteu num arco, os lábios se estremeceram. Os passos, cada vez mais rápidos, lembravam alguém amassando uvas numa enorme bacia de madeira. O olhar tão sombrio quanto a própria selva durante a noite, e os dedos enrolados para dentro das mãos, e esta, inquieta.

A visão do rapaz alcançou o final da trilha, mas não viu uma caverna, muito menos uma choupana. De repente, ele saltou para frente como uma ave em voo rasante. Quando se colidiu com o chão, seu corpo virou uma fumaça branca e brilhante, se espalhou. Ela subiu, se aglomerou como nuvem, e um cavalo albino saiu de dentro dela, trotando ferozmente. Kryo!

O quadrúpede encontrou o fim da vereda, outra estrada pavimentada com pedras quadradas de calcário. Virou à direita, confiou na sua intuição e seguiu, trotando ainda mais rápido. Guinchou agressivamente. Uma imagem veio na sua cabeça, um rosto barbado e sardento. Mohamed.

***

- É aqui que você desce, meu jovem - disse o senhor encapuzado a Mohamed puxando as cordas para o cavalo parar.

- Aqui é o distrito de Bavária?

- Condado, meu rapaz, condado! - O homem deu uma risada abafada. - E se quiser levar mais algumas maçãs para comer...

- Não, tudo bem! - Mohamed desceu da carroça, contemplou o céu que ficava cada vez mais enegrecido. - Você fez muito ao me oferecer carona e me dando o que comer. Se não fosse o senhor, estaria desfalecido.

- Disponha! Ainda bem que eu estava passando perto daquele trilha, ou então você ainda estaria cruzando a ponte Ridge a esta hora. Até mais, meu rapaz! E Boa sorte no que procura! - gritou o condutor sacudindo as cordas, e o cavalo voltou a puxar o veículo.

Mohamed havia decido no meio do que aparentava ser uma praça rodeada de lojas e estabelecimentos. Estava movimentada, muitas pessoas andavam de um lado para o outro segurando sacolas ou puxando carrinhos de madeira. Adiante, ele conseguiu enxergar uma fileira de barracas armadas em ambos os lados. "Hoje é dia de feira!" constatou ele e quase foi atropelado por uma carroça. Ele desviou, mas bateu de costas numa mulher corpulenta de vestido marrom, fazendo com que a sacola que ela carregava ruisse ao chão, e várias laranjas e maçãs se espalharam.

- Perdão, senhora! - Mohamed ruborizou, se pôs a apanhar as frutas. A senhora apenas sorriu gentilmente.

Ajoelhado, o rapaz apanhou uma, duas, quatro... Até que percebeu que eram muitas frutas. Ele olhou ao redor, notou um trio de meninos brincando com uma bola cinza perto de uma das carrocinhas. Somente mexeu os lábios, sem tirar o foco dos garotos, e um deles escorregou, bateu o bumbum no chão e logo iniciou uma sequência de gritos. As pessoas que passavam logo voltaram seus olhares à criança caída. Sem demora, Mohamed estalou os dedos, uma faísca vermelha surgiu, e todas as laranjas e maçãs rolaram até a sacola marrom. Ele a segurou e devolveu à mulher que também se distraira com os berros do menino.

O Segundo Herdeiro - A Caçada Onde histórias criam vida. Descubra agora