A sensação que possuiu os rapazes era semelhante a de estar no olho de um furacão, embora não fizessem ideia de como realmente seria. Apesar de manterem os olhos apertados, quase se perdendo dentro do crânio, e os braços cobrindo seus rostos, eles podiam captar a agitação aos arredores, tudo muito claro com ventos gélidos que lhe causavam arrepios. Então, a calmaria se fez presente repentinamente, e os garotos, vagarosamente, baixaram seus membros, desgrudando as pálpebras uma das outras. Quase caíram para trás, a câmara não estava mais lá, e com certeza não era onde Kaleb queria aparecer.
Parados no lugar onde surgiram, os rapazes giraram em volta de si mesmos, contemplando boquiabertos o local em que estavam agora. Era um grande salão deslumbrante e retangular. O piso, feito de mármore azulado e com desenhos que lembravam as ondas oceânicas, refletia cada objeto sobre ele. Haviam seis pilares que os cercavam, semelhantes a estalactites, espalhados em forma de círculo no centro do local. Do alto, uma fraca luz transpassando uma clarabóia de vidro azul-marinho. Alguns candelabros pendurados nas quatro paredes iluminavam as partes em que a luz do teto não alcançava, e um escada de três degraus no lado oposto à porta dava a um trono coberto de um estofado azul e branco. Um calafrio percorreu por todo o corpo dos garotos.
- Onde estamos? - perguntou o feiticeiro, sua voz ecoou para todos os lados.
- De uma coisa tenho certeza - Kaleb encarou Mohamed, o olhar severo e penetrante. - Não estamos de volta a Macau!
O olhar culpado do feiticeiro encontrou as retinas cinzentas do garoto pálido.
- Se eu soubesse…
- Você nunca sabe, não é mesmo? - Kaleb elevou o tom de voz, apontado com a mão para o piso. - Que droga, Mohamed! Segunda vez somente nesta semana! Quando será que vai aprender a ser menos teimoso?
- Teimoso? - O rapaz bufou. - Eu não pedi pra você vir atrás de mim. Por isso o deixei na trilha, mas fico surpreendido que tenha me encontrado em Nigron! Mas quem sabe…
- O que significa isso? - berrou uma voz aguda e espantada de algum lugar daquele salão.
Ao esticar-se para além de Kaleb, o feiticeiro viu uma mulher alta e morena, trajando um vestido justo de cor azul-marinho e prata. Ela estava paralisada na soleira de uma porta oval, os resplendores dos candelabros revelavam os olhos faiscantes da moça.
- Dois jovens no meio do nada - disse Kaleb, voltando-se para a madame. - Poderia nos dizer…
- GUARDAS! INVASORES! - gritou a mulher, e os rapazes de estremeceram.
- CALMA, NÃO SOMOS… - Mas antes que Mohamed terminasse a frase, os jarros próximos de cada pilar iniciaram uma sequência de chacoalhos, atraindo o olhar do rapaz que recuou.
Então, a água contida em cada um deles alçou como um gêiser. Pareciam cordas dançantes e transparentes da espessura de seus braços. Elas se aglutinaram e ruíram ao chão como cachoeiras. Se moviam de acordo com os movimentos braçais executados pela mulher morena do outro lado, logo tomaram forma de uma grande cobra d'água se arrastando pelo mármore oceânico. Mohamed esbugalhou os olhos, Kaleb se encolheu atrás dele.
- É uma dominadora da água, Mohamed! - concluiu o garoto pálido, usando o corpo do feiticeiro como escudo. - Faz alguma coisa! Você é o feiticeiro aqui!
- Fica bem atrás de mim, Kaleb - ordenou ele ao notar o animal transparente rastejando em sua direção.
A colossal cobra ergueu sua cabeça no momento em que a mulher levantou o braço, enquanto mantia o outro apontado para o animal.
De repente, Mohamed a viu avançar sobre eles, as presas aquosas à mostra, prestes a atacá-los. O feiticeiro sentiu as mãos de Kaleb o apertarem nos ombros. Num movimento rápido, o feiticeiro ergueu a mão com a palma para cima, no exato instante que a cobra despencava sobre suas cabeças, e com estrépido, a serpete se espatifou em milhões de gotas de água, semelhante à chuva.
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O Segundo Herdeiro - A Caçada
FantasíaA última lembrança existente em sua memória consistia num homem desaparecendo entre árvores secas e retorcidas, montado numa carroça que gemia tão alto quanto seu choro ao vê-lo partir sem ao menos se despedir. Naquele momento, uma sombra eclodiu na...