Ain't No Mercy

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Tao enxaguava a boca após uma rigorosa higienização quando escutou ruídos provenientes do exterior. Não tardou para que a porta fosse grosseiramente aberta e seu corpo prensado contra o balcão da pia. Os braços poderosos de Wu o encurralaram, ladeando seu tronco, limitando sua locomoção. Por meio do espelho embaçado, vislumbrou as íris embebidas em fúria.

— Explique-se. — exigiu Yifan.

Sua voz ressoava perigosamente baixa pelos ladrilhos pardos, porém cabalmente audível, visto que arrastava os lábios junto à orelha do garoto. Os pelos da nuca eriçaram, embora não pelo motivo desejado. Zitao não se deixaria abalar.

— Estava apenas seguindo ordens. — respondeu sumário.

O cômodo recaiu em silêncio absoluto. Os gritos pelos quais Tao aguardara não vieram. Ao contrário do que se supunha, as mãos de Yifan desprenderam da borda para deslizarem pelos braços desnudos do mais jovem. As carícias eram lentas, deixando rastros de prazer rumo aos ombros do rapaz. Os dedos afagavam o local numa massagem deliciosa e, já há algum tempo, o nariz vagueava pelos cabelos platinados e levemente úmidos, aspirando a essência floral de seu shampoo predileto.

Cedendo aos carinhos, Huang relaxou o corpo depois de um longo suspiro, enquanto cerrava as pálpebras e partia os lábios. De pouco em pouco, seu rosto fora delicadamente conduzido para a direita até que sentisse a respiração alheia tocar-lhe a bochecha, tamanha a proximidade das faces. Os dedos, que outrora lhe enclausuravam o queixo, embrenharam-se dentre os fios loiros, inesperadamente puxando-os com força excessiva.

Tao soltou uma exclamação muda, arregalando os olhos em reflexo.

— As minhas são as únicas ordens às quais você deve seguir! — ralhava. O tom começara baixo, intensificando-se a cada palavra. — Eu te tirei daquela vida miserável! Você deve lealdade a mim e mais ninguém!

O dançarino sulcava o rosto como resultado dos puxões doloridos no couro cabeludo e dos rugidos lhe castigando os tímpanos. Apesar disso, negava-se a demonstrar seu nervosismo.

— Maldição! Será mesmo que terei de colocá-lo numa coleira? — perguntou retoricamente, ainda possesso.

A forte pisada que se seguiu, irritadiça, provocou um choque estrondoso entre a sola de madeira do sapato lustroso e o piso, contribuindo para o latejar crescente na cabeça de Huang. Àquela altura, ignorar a dor revelava-se uma tarefa bastante árdua.

— Mas era o que eu estava fazendo! — atreveu-se ele, recebendo atenção.

Yifan voltou a encará-lo através do espelho; o vinco em sua testa exprimindo o questionamento.

— Por uma noite, me ofertou a Goo como um presente. Pensei que qualquer ordem dele seria, também, sua.

Os olhos de Wu tornaram-se vítreos e gélidos. O foco se perdeu para além dos traços de Zitao e a mão se desvencilhou dos fios loiros, tombando desgraciosamente. No decorrer de uma pausa perturbadora e hesitante, sorriu sem humor, como se tudo não passasse de uma infeliz piada, e chacoalhou a cabeça.

Deu meia-volta, caminhando mecanicamente com destino ao quarto; Tao o seguia logo atrás, detendo-se no batente, receoso quanto à maior aproximação. Observou-o tomar assento na poltrona de couro vermelho, o tecido afundou sob seu peso, todavia, o corpo recusava-se a relaxar. Projetando-se para frente, apoiou os cotovelos nos joelhos enrijecidos e mergulhou o rosto nas mãos largas.

— Goo se mostrava um perfeito depravado sempre que o assunto era você. Já estava passando dos limites, por isso quis testá-lo. — murmurou, abafado pelas palmas. — Só não achei que você também falharia...

Stray Cat • TaoRisOnde histórias criam vida. Descubra agora