Adeus amigo

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DAVID

Meu pai havia ido me buscar no portão da escola naquele dia, isso raramente acontecia e não era bom sinal. Quando o vi pela janela do carro, até minha alma congelou, seu rosto estava totalmente sério, não consegui nem me despedir direito de Victor, apenas fui direto para o carro afim de evitar mais confusões.

– Oi pai, que surpresa, você quase nunca vem me buscar. – Falei tentando disfarçar minha tensão e medo.

– Você é um moleque imprestável, eu odeio você, maldita hora que aquela vadia engravidou e morreu no parto. Eu deveria ter te jogado no lixo, teria tirado um peso inútil de minhas costas. Além de ter dado gastos para mim por 16 anos, é um viadinho medíocre. Eu te odeio, você é um nojo, uma vergonha, quer que eu te chame de Maria agora ? – Sua raiva era tão grande que conseguia escutar até o ranger de seus dentes como se fossem quebrar.

– Pai e-eu não sou nada disso, para com isso por favor, eu imploro. – Ele já havia dado partida no carro que cheirava a álcool e drogas. Começou a dirigir em alta velocidade e meu medo aumentou como nunca antes.

– Você é uma vergonha David. Eu não acredito que perdi meu tempo para criar um vagabundo que gosta de dar o rabo e chupar macho por aí. – Sentia sua raiva crescer mais ainda.

Nossa casa não era longe, então logo chegamos, mas não queria que chegasse. Lógico que eu estava com medo, porém sentia um medo muito maior em chegar em casa, era lá que tudo iria piorar. Eu não sabia o que ia acontecer comigo e já estava em pânico, mais uma vez passaria por aquilo, e dessa vez seria pior.

– GAROTO ENTRA LOGO!!! – Ele me ordenou e então fiz como mandou.

Ao entrar percebi que a casa estava mais revirada que o normal, mas aquele não era o momento para reparar no inferno que eu morava, não tive nem tempo de pensar, ele se aproximou e começou a me espancar como nunca, sentia meus ossos se quebrando e gritava de dor, mais uma vez estava apanhando como um animal.

– EU VOU TE MATAR SEU DESGRAÇADO, EU ODEIO VOCÊ ASSIM COMO ODIAVA A VADIA DA SUA MÃE. – Ele disse e meu corpo estremeceu mais ainda, eu estava caído no chão com uma dor imensa, com marcas por todo o corpo, e o sangue escorria sem parar.

Ele me deixou jogado ali e entrou na cozinha, escutei barulhos vindo da gaveta de facas, tentei correr, mas minhas pernas estavam me impedindo, um osso havia sido fraturado, quando encostei a mão na maçaneta para conseguir sair e pedir ajuda, ele me puxou e apenas a mancha de sangue de minhas mãos permaneceu na porta, aquela era minha única saída.

– Você ia escapar moleque ? Então para isso você tem serventia neh, vem aqui, desta porta você não sairá nunca mais. – Senti um ódio que nunca havia presenciado antes então ele me puxou e começou seu serviço sujo.

– NÃO, POR FAVOR PARA PAI, PARA, PARA, EU PROMETO QUE VOU MUDAR, EU JURO, EU NÃO FIZ NADA, MAS VOU SER UM FILHO MELHOR. – Gritava de desespero enquanto ele me esfaqueava sem nenhum pingo de dó, meu sangue jorrava pelo chão, sentia minha vida sendo ceifada a cada facada, não tinha mais forças de gritar, não tinha chances de sobreviver, sabia que ninguém iria me ajudar, estava apenas ele e eu naquele lugar, talvez apenas ele agora, pois eu estava morrendo e não pude fazer nada.

Já não enxergava mais, meus olhos estavam se fechando, ouvia de longe apenas zumbidos, meu coração batia tão fraco, e então pude deixar as últimas palavras saírem de minha boca:

– Victor, eu te amo. – Minha voz saiu tão baixa como um sussurro, e a última imagem na minha mente foi daquele sorriso que eu tanto amava ver.

VICTOR

David estava imóvel, não escutava seu coração bater, não sentia seu pulso, ele não estava mais respirando, não havia mais vida naquele lugar, mas eu não queria acreditar naquilo. A única coisa que consegui fazer foi gritar muito, mais uma maldita vez até que eu caísse ao lado de seu corpo com uma crise asmática.

Acordei no hospital, meus pais estavam ao meu lado, pareciam muito preocupados, mas naquele momento só soube dizer desesperadamente:

– Mãe, pai cadê o David ? Eu estava indo para a escola, passei na casa dele, a porta estava aberta, então encontrei ele caído e... – Não havia terminado de falar e meus pais me interromperam.

– Victor se acalme, precisamos conversar, mas você precisa se acalmar. O David... – Minha mãe não conseguiu terminar, começou a chorar imediatamente.

– Filho, o David faleceu ontem, depois que chegou da escola... O pai dele teve uma briga com ele, o espancou e quebrou vários ossos de seu corpo e o matou a facadas. Eu sinto muito. – Meu pai disse segurando as lágrimas, pois precisava ser forte naquele momento. Minha mãe já estava aos prantos, e eu não tive reação, não conseguia formular aquilo, não acreditava.
Depois de alguns segundos comecei a chorar muito, só queria que aquele pesadelo acabasse.

– Por que isso está acontecendo comigo de novo ? Por quê ? David era meu melhor amigo. – Dizia enquanto as lágrimas queimavam meu rosto e salgava minha boca. – Aquele maldito, por que ele fez isso, eu vou MATAR ELE. – Gritei as últimas palavras com tanta raiva, eu o odiava tanto.

– Stevan fugiu, depois que matou o David, ele pegou seu carro e desapareceu filho, a polícia está tentando localizá-lo, mas talvez a este ponto, ele esteja bem longe daqui.

– Por que não o ajudaram, por que não ligaram para uma ambulância ? O David precisava de ajuda e ninguém fez nada. – Eu estava inconformado com tudo aquilo.

– Como era de costume Stevan agir assim com o filho, os vizinhos mais próximos decidiram não ligar, isso acontecia toda semana.

– Aquilo era de costume, espancar um filho ao ponto de matá-lo como se fosse um nada ? Eu odeio todos eles, e esse maldito não é um pai, nunca foi, ele é um desgraçado que deveria morrer. Deveriam ter denunciado esse homem há muito tempo. – Ainda dizia chorando muito.

O dia havia amanhecido nublado e chuvoso assim como eu estava.
Pelo estado de seu corpo, ele seria enterrado algumas horas depois, como o pai havia fugido, David não tinha família, então peguei meu cofrinho que estava juntando dinheiro para faculdade, o quebrei e peguei uma parte para pagar todo o funeral.

Quando vi o corpo do meu melhor amigo naquele caixão, cai imediatamente e chorei tanto, o mundo havia se desmoronado em cima de mim, senti náuseas e sai correndo para vomitar, sentia nojo daquele homem, do que fez com David.
E por incrível que pareça quando voltei algumas pessoas começaram a chegar, vários alunos da escola foram vê-lo até aqueles que o espancavam e desejavam mal a ele.
As garotas que anos atrás disseram que ele deveria ter morrido estavam lá, com caras de tristes, como se importassem realmente com ele. Isso me trazia uma repugnância imensa, era tanta falsidade e maldade naquele lugar que preferi tomar um ar por alguns minutos.

– Sinto muito pela sua perda. – Escutei uma voz se aproximando.
Era Helena, estava tão abatido que nem notei sua presença naquele lugar, neste momento nem tinha cabeça para lembrar dela para ser sincero.

– Também sinto muito Helena, eu realmente o amava muito, era amigo de verdade, mas aqui está cheio de gente falsa que só fazia e queria o mal dele. – Acabei desabafando sobre meu pensamento naquela hora.

– Eu imagino mesmo, aquela escola só tem gente babaca. Aliás, qual seu nome mesmo ?

– Victor, me chamo Victor. – Disse já esperando uma reação de afastamento imediato, mas foi totalmente ao contrário.

– Bom, muito prazer Victor, esta é uma péssima hora para nos conhecermos, mas se precisar é só me procurar, nos esbarramos por aí.

A observei se afastando, dando algum recado para sua amiga e indo embora em um carro preto, talvez eram os pais dela que haviam ido buscá-la, afinal nem todo mundo gosta de ver as pessoas sendo enterradas, é a parte mais triste. Aquela será a última imagem e lembrança daquela pessoa.

Meus pais haviam faltado naquele dia também para irmos ao enterro e ficar comigo, pois era um momento muito difícil e eles sabiam disso.

Quando foram descer o caixão de David sete palmos abaixo da terra, comecei a chorar de novo, meu coração estava dilacerado, eu queria tê-lo de volta, não pude nem me despedir uma última vez, dizer o quão importante e maravilhoso ele era. Eu sentia como se minha alma estivesse sendo levada para junto dele naquele caixão e meu corpo continuasse ali, e a única coisa que pude pensar foi: Adeus amigo!

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