Uma semana torturante

24 2 0
                                    

Não queria mais ir à escola, era torturante só de imaginar que entraria naquele lugar por mais dois anos e nunca mais teria David ao meu lado, em lugar nenhum poderia encontrá-lo quando saísse pela porta.

Naquela semana meus pais ficaram em casa, preparam almoço e jantar, arrumaram a casa, me deram um tempo de descanso, sabiam que eu não estava bem. A escola também decidiu que aquela semana seria melhor se eu ficasse em casa, que não seria um bom lugar naquele momento, e nunca foi, sempre odiei estar lá, era tanta maldade, preconceito e mediocridade que me enojavam. Apenas David me fazia rir e me obrigava a ir, não podia repetir, mas também não sabia porque tinha que estudar, não sabia se queria fazer uma faculdade, mas juntava dinheiro para uma, na verdade não sei nem se estarei aqui por tanto tempo. Estava morto e vazio por dentro, me sinto um monstro que todas as manhãs veste positivismo, carisma e sorriso antes de sair, e depois daquele acontecido não sei nem se sorrir estaria na rotina mais.

Foi uma semana torturante, chorei demais, passei quase todas as noites em claro, toda hora via as fotos de David que estavam em minha galeria. Ele era um palhaço, tinha várias fotos engraçadas, mas tinha algumas que estava como um Deus Grego como ele mesmo dizia.

Desde que o conheci, ele havia mudado bastante, seu cabelo não era tão curto, pareciam um monte de caracóis emaranhados, com uma coloração castanha bem viva e tinha um tamanho apropriado para que Stevan não o espancasse por isso. Trabalhava nos fins de semana na lanchonete do centro da cidade, ganhava um trocado bom, o suficiente para comprar algumas roupas que gostava e que também estava ao agrado daquele maldito. Ele tinha emagrecido bastante, queria fazer academia, porém não tinha dinheiro, então sempre o encorajava a fazer exercícios em casa. Ele era alto, mas não chegava a ser um poste como alguns garotos, seus olhos eram cor de mel, o que trazia um olhar muito sedutor, e o rosto natural corado era muito atraente. Seu sorriso era mais ou menos alinhado, estava terminando a limpeza nos dentes para colocar aparelho, e sua pele agora era macia e lisa, ja tinha sofrido tanto com espinhas que passou a cuidar da pele para se sentir melhor. Várias garotas pediam para ficar com ele, e o garoto até tentou ficar com algumas, mas me contava toda vez que não era o que queria, não era bom igual aos homens. Ele ficava com os meninos escondido, e isso acontecia raramente pelo fato do maldito acabar descobrindo. Era o tipo de garoto que deveria ser popular, não era mais visto como um nerd qualquer, e mesmo assim ficava comigo o tempo todo, até conhecia outras pessoas, mas preferia passar o dia ao meu lado. Era nota dez em quase todas as matérias, odiava história, talvez porque ele não tinha nenhum interesse no passado, não era um dos melhores assuntos para meu melhor amigo.

– Victor posso entrar ? – Minha mãe perguntou em um tom calmo, ela estava mais calma, não a vi chorar naquela semana nenhuma noite, talvez ela também precisasse de um descanso. Mesmo que ainda estava magoado com o que ouvi naquela noite, não tinha ódio dela por isso, mas sinceramente queria tanto que me aceitassem de verdade, me vissem como o homem que sou, pois aquilo doía demais.

– Entra mãe. – Disse em um tom seco, porém baixo.

– Você quer um lanche ? Passou a manhã inteira neste quarto, pelo seu rosto não dormiu direito de novo, vai tomar um sol. Vim buscar as roupas sujas, mas se quiser arrumo algo para você comer, está pálido, fraco, vai pegar uma anemia. – Ela estava preocupada comigo, eu entendia isso, mas realmente não estava afim.

– Quero não mãe, obrigado. Acho que vou para a varanda ler um livro, escutar uma música. – Para não piorar a situação preferi ao menos fazer isso, não queria ver meus pais mal por causa de mim e se eu ficasse doente daria trabalho.

– Ok filho, ok. Se quiser conversar saiba que estamos aqui. – Minha mãe disse sorrindo. Apenas concordei e sai.

Quando cheguei na varanda e abri o livro, me arrependi de ter dito que iria ler, não estava com cabeça para isso, e as músicas me atrapalhavam mais ainda. Fechei o livro e resolvi olhar ao redor, a varanda daqui de casa ficava em frente à varanda do vizinho debaixo, o que separava era algumas cercas de tamanho mediano brancas, mas mesmo assim dava para ver o que acontecia lá.

– Para Tom, eu já disse que não gosto dessas suas brincadeiras idiotas. – Era uma voz familiar, mas de quem ?

Resolvi prestar mais atenção ao que acontecia ali, lógico não poderia chegar perto, se notassem minha presença poderia dar muito ruim.

– Aah gatinha você é tão gostosa, não tem como segurar a vontade, além disso estamos namorando, por que quase nunca posso tocar seu corpo ? Eu necessito de você entende ? Preciso daquilo Helena.

Helena ? Por que Helena está com esse babaca ? Tom é o filho do vizinho, ele não mora com o pai, mas vem muitas vezes passar as férias e alguns finais de semana. Como hoje era sábado é normal estar aqui.

– Tom já conversamos sobre isso, eu não vou transar com você, aliás não sinto essa vontade agora, vamos com calma, por favor. – Ela parecia estar meio nervosa e tensa falando sobre aquilo.

– Victor, o almoço já está na mesa, não demora.

A fala de minha mãe me desvencilhou do que estava acontecendo e quando olhei eles já não estavam mais na varanda. Então entrei, e mesmo assim aquilo que ouvi não saia da minha cabeça. Tom estava querendo obrigá-la a fazer sexo ? E se ele a machucar, a violentar ? Bom, eu não podia fazer muita coisa, mas esperava que ela estivesse bem e qualquer movimento estranho ou gritos chamo a polícia na hora.

No outro dia, eu estava tenso, infelizmente na segunda-feira tinha que voltar a estudar mesmo não querendo, e isso me atormentou o dia inteiro. Na janta tudo estava silencioso demais, resolvi terminar logo e ir direto para o meu quarto. Depois de um tempo ouvi meus pais discutindo, o som vinha da cozinha, fui ver o que estava acontecendo, raramente os ouvia brigar.

– Pai, está tudo bem ? – Disse ao chegar mais perto, pareciam muito tensos, minha mãe andava de um lado para o outro e meu pai estava sentado debruçado na mesa com as mãos no rosto.

– Victor não é nada, é sobre meu trabalho, parece que a empresa está falindo, mas darei um jeito, fica tranquilo, não vou deixar de cuidar de vocês dois, só estamos resolvendo tudo certinho para nada dar errado ok ? Vá dormir, amanhã você tem aula, precisa descansar nem que seja um pouco. – Meu pai era durão, e eu tinha certeza que ele só queria que pudéssemos manter a calma, mas nada estava bem.

Fui me deitar, não conseguia parar de balançar os pés, queria gritar para o mundo a dor que estava sentindo, mas do que adiantaria ? Ninguém se importaria, o mundo iria me engolir outra vez para que eu me mantivesse  calado mesmo com uma dor insuportável, talvez assim fosse melhor. Amanhã será mais um longo e infernal dia, porém a noite não havia acabado.

Não conseguia parar de pensar em David, por que ele morreu ? Por que me deixou neste mundo sozinho ? A culpa não era dele, eu sei, sinto uma falta insuportável daquele garoto, e isso me faz lembrar de quando perdi Dayane, também sinto muita falta dela. Desde aquele dia tudo que amo vou perdendo aos poucos, e isso dói tanto. Só queria dormir e não acordar mais. Acredito que o inferno esteja neste universo, e não consigo sair dele.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 18, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

No Labirinto da Escuridão Onde histórias criam vida. Descubra agora