AMÉLIA
Quando retornei a Palermo todos os sentimentos que tentei esconder na viagem saíram de uma vez como um alto e angustiante choro. Precisei fechar a floricultura. Peguei todas as flores e coloquei nos túmulos de desconhecidos no cemitério. Outras eu doei para igreja e as demais distribui nas ruas. A partir dali nada seria como antes. Consegui vender o local rapidamente e usei o dinheiro para quitar nossas dívidas.
Meu pai estava animado com a nova rotina e os amigos da mesma idade que conheceu no Facebook. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde eu daria um jeito na minha vida. Fui jantar com Clara e nos encontramos com Selim. Eu quase pude tocar a tensão entre os dois. Clara me olhou com desespero e deu para perceber como ela ficou desconfortável. Selim estava tão bonito quanto na escola. Agora com a barba maior e bem mais musculoso. Era impossível Clara resistir a tudo isso.
- Selim como você está? Não nos vemos há anos.
- Estou bem Amelia. Você continua muito bonita. O que tem feito?
- Eu tinha uma floricultura mas precisei vender essa semana. Os clientes diminuíram muito.
- Sinto muito. Se eu soubesse teria ajudado.
- Sem problema.
Clara se manteve calada, de cabeça baixa e evitava olhar para Selim. Tomou várias taças de vinho e eu já sabia que teria que carregá-la no fim da noite.
- E você Selim, o que tem feito?
- Abri uma empresa de produtos e equipamentos de limpeza. Inclusive estou aqui para resolver a abertura de uma filial e eles contrataram nossos serviços.
- Ah que legal! Soube que você estava em Alghero no fim de ano.
- Sim. Eu fui lá encontrar uns amigos e aproveitei para tratar de negócios também.
- Entendi.
- Você está procurando emprego? Algo específico?
- Sim. Não procuro nada específico. Não estou em condições de escolher, até porque as contas vão chegar.
- Eu tenho um amigo que está procurando uma assistente e babá.
- Babá?
- Ele é pai solteiro e o bebê passou uns meses no hospital e vai sair na semana que vem. O coitado está em desespero.
- O que preciso fazer exatamente?
- Cuidar do bebê e organizar a agenda dele com os compromissos da semana.
- Ele mora aqui em Palermo?
- Não. Mora em Roma.
- Preciso pensar.
Clara resolveu abrir a boca e falar.
- Você vai Amelia. Está na hora de mudar a rota. Chega de Palermo, chega de pensar só no seu pai e chega de viver os sonhos da sua mãe.
- Clara, você vai expor minha vida inteira para o Selim.
- Ele não liga. Liga Selim?
- Eu? Não, imagina nem prestei atenção.
- Viu? Agora me escuta. Você vai aceitar. Vai ganhar um bom salário e vai poder juntar dinheiro e fazer planos para o futuro.
- Mas eu preciso ir para Roma. Não gosto muito de cidade grande e você sabe.
- Eu sei mas você precisa se arriscar.
Quando ela terminou, eu lembrei da frase que li no avião uns dias atrás. Eu realmente tenho medo de me arriscar. Sempre coloco meus pés onde posso ver. Agora ela pede que me aproxime da borda do penhasco, feche os olhos e me jogue esperando que não irei quebrar a cara no fim, nesse caso quebraria todos os ossos.
- Tudo bem, eu aceito.
- Isso! Amiga vai dar tudo certo.
- Espero. Selim como vai ser? Preciso ir na empresa? Estarei livre nos próximos dias.
- Vou ligar para ele, combino tudo e te aviso. Pode ser?
- Pode sim. Muito obrigada.
- Por nada. Aliás você tem experiencia com crianças?
- Sim. Trabalhei alguns anos como ajudante em uma creche na época da faculdade.
- Perfeito então.
Roma. Como eu iria explicar para o meu pai que eu irei morar em Roma se a entrevista der certo? Ele nunca ficou sozinho. E eu nunca morei com estranhos. Preparei o café da manhã e pensei nas diferentes formas de contar para ele.
- Papai. Preciso falar com o senhor. Recebi uma proposta de emprego , vou fazer a entrevista hoje.
- Isso é ótimo. Qual tipo de trabalho?
- Assistente e babá.
- Babá?
- O homem é pai solteiro e precisa de ajuda com o bebê e outras coisas relacionadas ao trabalho dele.
- Você vai ganhar bem?
- Acho que sim. Vamos discutir isso hoje eu acho. Só que tem que problema. Ele mora em Roma.
- E você terá que ir também.
Ele não parecia triste ou com medo. Seu tom de voz era tão tranquilo. Ele me olhou de um jeito doce, sorriu e começou a falar.
- Você está preocupada em me deixar sozinho?
- Claro. Nunca nos separamos.
- Filha. Você precisa de uma vida sem pensar em mim o tempo todo. Sou um homem adulto e segui a vida depois da sua mãe. Está na hora de você fazer o mesmo. Ela queria que você vivesse uma vida plena. Eu quero que você viva. Se apaixone, se decepcione, se livre dos seus traumas e acima de tudo seja livre e feliz. Abrace tudo que essa vida tem a oferecer. Coisas boas e coisas ruins. E deixe essas lindas mãos encontrarem o lugar que lhes pertence.
- Pai. Eu não posso tocar piano de novo.
- Você pode. É o seu dom. Depois de andar, tocar piano foi sua primeira atividade. Se arrisque. Esse não pode ser o emprego dos sonhos mas é um começo.
- Então acha que devo ir?
- Sim. Podemos nos ver sempre. Quando terminar a entrevista você me avisa. Vou pensar em algo para o jantar.
Algumas horas depois, Selim me ligou e me passou o endereço de uma padaria no centro. O lugar funcionava como confeitaria e tinha um visual lindo com muitos detalhes florais e rendas. Além do café perfeito e o melhor bolo de frutas vermelhas do mundo.Eu sentirei muita falta da minha pequena e sossegada cidade. Já dizia Cecília Meireles:
"Não seja o de hoje.
Não suspires por ontens...
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo."Talvez fosse realmente a hora de fazer mudanças.
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Amor Secreto
RomanceAmelia e Oliver são unidos por um amor secreto. O que parecia ser apenas atração torna-se uma conexão inexplicável. Com dores em trauma em comum, esse casal parece ser a cura um do outro. Suas vidas se cruzaram em momentos complicados para ambos, e...