Cão Negro

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Na tela da TV, uma linda jovem de cabelos loiros percorria um corredor estreito e mal iluminado, caminhando com muita pressa, porém sem permitir que a apreensão e a cautela lhe escapassem.

Seguida apenas por uma sinistra trilha de volume ascendente, ela se aproximava da porta semiaberta de um quarto escuro, algo que prometia presentear o espectador com uma revelação impactante ou um grande susto, mas antes que a cena fosse concluída, a tela simplesmente se apagou, não mostrando mais nada além do triste reflexo de um jovem frustrado.

- Merda! - Arthur praguejou em voz baixa, enquanto ouvia latidos ecoando ao longe.

Preguiçosamente e sem se levantar do sofá, o rapaz esticou o braço e foi tateando a parede até encontrar o interruptor, porém ao apertar o botão nada aconteceu.

- É... Faltou luz mesmo. - Ele resmungou, após dar um longo e tedioso suspiro de decepção.

De volta ao reflexo estampado na tela do televisor, ele encarou a si mesmo por alguns instantes, antes de enfim aceitar a sua dura realidade. O filme não o estava agradando e dificilmente o faria, já que de todas as suas inúteis tentativas de fuga, aquela certamente fora a mais tola. Ele a havia perdido e não existia mais nada que pudesse fazer...

Por mais que tivesse lutado para demonstrar o quanto a amava e como estava disposto a ceder e a sofrer por ela, nada adiantou, pois nenhum de seus erros pretéritos jamais poderia ser verdadeiramente perdoado. "Você é alguém muito importante pra mim, mas não posso te corresponder da forma que espera.", foi o que teve de ouvir da última vez em que estiveram juntos, logo após ter recebido um beijo estranho e vazio, como que dado meramente por pena.

- Será que ela ainda tá com aquela maldita? - Ele se questionava, enquanto usava a luz do celular para iluminar o caminho até o seu armário de bebidas.

Tudo o que queria naquele momento era esquecer e esquecer não apenas de sua ex-noiva, mas de tudo o que estivesse direta ou indiretamente ligado ao seu nome...

- ALVAREZ! - Ele gritou, ao arremessar uma garrafa de Patrón contra a parede, garrafa esta que ela havia lhe dado de presente, há cerca de um mês.

O som do vidro se espatifando foi seguido de uma nova e insistente série de latidos, o que acabou levando Arthur a imaginar que aquele pobre animal deveria estar se sentindo tão perdido e solitário quanto ele próprio, porém tal reflexão duraria apenas até que o rapaz terminasse de encher um copo com o primeiro bourbon que fosse capaz de identificar. E agora, com uma dose do destilado já em mãos, ele tratava de engolir tudo de uma só vez, deixando que a bebida lhe queimasse a garganta, com a vã esperança de que o seu coração acabasse se queimando também, certo de que somente assim poderia deixar de se sentir tão imprestável quanto um reles brinquedo que perdera a graça.

Após tomar o segundo copo e encher o terceiro até que este começasse a transbordar, ele resolveu pegar a garrafa e retornar ao sofá, onde pretendia beber até perder os sentidos. No entanto, entre seus lamentos e lamúrias, também persistiam os latidos e nenhum outro som além destes, como se todos os seres vivos lá de fora simplesmente tivessem desaparecido junto da energia, deixando para trás apenas um vira-latas qualquer.

Curioso quanto àquele incomum estado de silêncio, o rapaz logo deixou o uísque de lado, se levantou e seguiu direto até a janela mais próxima, onde passou a observar a rua com o máximo de atenção que o álcool em seu sangue ainda lhe permitia.

Não demorou até que o óbvio se confirmasse, pois de fato não havia eletricidade alguma e todo o bairro estava quase que completamente às escuras, tendo apenas a luz indireta do luar para dar contornos aos telhados, muros, postes... E a um robusto cachorro totalmente preto que estava sentado sobre as patas traseiras, bem em frente ao portão do condômino onde Arthur morava. E embora o rapaz estivesse no quinto andar do edifício, o brilho vermelho dos olhos daquele grande animal chegara muito facilmente até ele, fazendo com que um forte arrepio subitamente lhe subisse pela espinha.

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