24 de Março, 2076
Ao lançar aquela flecha eu achei que tinha a salvado, tudo que eu sempre quis foi proteger as pessoas que amo e falhei. Quando aquele monstro atirou, não foi só ela que se foi, é como se uma parte de mim tivesse ido também. Aquele dia era especial, eu havia lido o livro favorito dela no Recanto, lembro dela recitando algumas partes, era o que amava fazer, interpretar e sentir emoções, ela seria uma bela e ótima atriz se o mundo fosse normal novamente, era isso que meus pais falavam e também tudo que queriam que tivéssemos, uma vida normal, como a de nossos falecidos avós. Talvez se eu não tivesse me levado por emoções, ela estaria viva, eu não sei onde estão minha família e meus amigos, eu estou sozinha nesse quarto branco cheio de câmeras, não entendo o motivo de tanto me vigiarem, eu estou presa, não só presa nessa sala, mas no meu pior pesadelo, nas minhas piores memórias e isso era o que mais me atormentava agora.
Não sei por quanto tempo eu dormi, depois que nos rendemos eles usaram dardos tranquilizantes, a única coisa que me lembro era do sangue dela, aquele vermelho inundava o chão e me afogava em lágrimas, minha mente agora estava fardada a carregar esse peso, mas há um lado bom pelo menos, se eu sinto essa dor, eu ainda não sou uma máquina, continuo sendo eu.- Vá ver como está a garota. - Uma voz grave ecoou.
- Sim senhor comandante. - Disse um soldado.
Estava com medo do que estaria por vir, pensando por um lado seria bom poder esquecer disso tudo, eu não quero ser uma peça de um jogo de xadrez da Supremacia, mas eu estava indefesa, sentada em uma cadeira e algemada, não estou me rendendo, entretanto não tem nada que eu possa fazer. Talvez me torturassem, porém essa dor nunca seria pior do que ter o sangue da Beatriz em minhas mãos, ela ganhou esse nome por significar "a que traz felicidade" e foi literalmente isso que aconteceu, ficamos sabendo que minha mãe estava grávida no festival da colheita, era um banquete que fazíamos quando a horta e o pomar estavam fartos, lembro até hoje como estava gostosa a salada de frutas da mãe do Kevin, e foi nesse momento que minha mãe revelou que estava grávida, ah como foi bom, todos festejamos ainda mais, era um novo recomeço pro Refúgio, uma nova geração surgindo e agora simplesmente com um puxar de um gatilho, She's gone.
- Ela está acordada senhor. - Disse o soldado após abrir a porta.
O soldado não tinha nem uma expressão, ele estava parado ao lado da porta esperando que seu comandante entrasse.
- Muito bem A35-F. - O comandante entrava na sala.
Então eles não tinham nem um nome normal? São muitos pesadelos para me atormentar em uma semana só. O comandante era meio velho, usava uma grande capa preta cobrindo sua roupa, havia um broche que prendia a capa, ele era dourado e tinha um grande S no centro, o símbolo da supremacia, essa marca me assombrou desde criança e agora ela estava materializada em forma de ser humano em minha frente.
- Você é até que bonitinha pra uma selvagem. - Falou mexendo em uma das minhas mechas de cabelo.
- E você é bem velho pra um robô. - Rebati, eu já estava ferrada mesmo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Despertar
Fiksi IlmiahEm um futuro pós-revolução, o mundo fortifica o sistema capitalista com a dominação global da mentes humanas, mas nem todos foram fardados, o adolescente Kevin em seu acampamento de refúgio reune forças para responder suas dúvidas sobre o novo mundo...