Ana Flor
Algumas vezes a ansiedade se assemelha a um inseto irritante zumbindo em seu ouvido. Ela não te deixa dormir, pensar ou sentir nada além dela. Outras vezes, ela agi como uma larva que ameaça te devorar de dentro para fora. Destroçando e te fazendo em pedaços.
É exatamente isso que está acontecendo agora. Uma desagradável combinação entre inseto e larva. Ambas me levando a, em menos de dois minutos, sentar e levantar de minha cama ao menos uma dezena de vezes.
Roo a pele no canto das minhas unhas tentando me acalmar enquanto ando em círculos pelo perímetro de meu cativeiro. Quem sabe eu possa gastar as tábuas até formar um buraco no chão?
Pouco tempo depois de Felipe ter entrado no casarão, ouço vozes exaltadas e tilintares que logo se transformam em urros e estrondos. Um verdadeiro caos se estabelece no térreo e minha ansiedade ameaça atingir níveis colossais.
Levo as mãos ao coração. Almejando acalmar seu frenético coicear em meu peito, inspiro e expiro profunda e lentamente contando nos dedos. Náusea revira minhas entranhas. Não tenho dúvidas de que, caso houvesse algo em meu estômago, o conteúdo seria vertido de minha boca.
Sopeso o que pode estar acontecendo lá em baixo. Todas as hipóteses me parecem assustadoras. O sentimento de impotência é avassalador. E diante de tudo, ponho-me de joelhos e começo a orar.
“Ó Senhor, sou uma pecadora e não sou digna de lhe pedir qualquer coisa, mas por favor, Senhor, eu lhe imploro! Permita que Felipe tenha vindo me buscar. Ajudai-nos a sair deste maldito lugar para que enfim possamos recomeça.”
Como se minhas preces fossem atendidas, repentinamente o andar inferior fica em silêncio. Um alívio momentâneo me atinge, porém tão breve é substituído por medo. O silêncio pesado não me parece conciliador. Ao contrário. É pesado e agourento.
Por um momento presumo que o pior de fato tenha acontecido. O temor pela vida de Felipe e a sensação de que minha tão recente esperança de felicidade feneceu antes mesmo de efetivamente existir, me toma de súbito, certeira em meu coração como uma flecha.
Algo indescritível. Uma força maior, me impulsiona para a janela, e , fitando entre as frestas, vejo Felipe se afastar em direção a praia. Minha expressão é de profunda confusão. Meu sentimento é de abandono. Ergo meus dedos em sua direção, desejando poder segura-lo com minhas mãos e impedir que parta uma vez mais. Sou impedida pela barreira de tapumes. Sou impedida pelas barreiras impostas pela vida. Um grito se acumula em minha garganta e um forte desespero se assoma sobre mim, ameaçando me engolir.
Felipe erra o passo e estaca no lugar. Parodiando seus movimentos, meu coração erra uma batida. Lentamente seu corpo volta em minha direção. Seus olhos percorrem lentamente por toda a propriedade. Inquieta me balanço para a frente e para trás em meus calcanhares, esperando que de alguma forma me veja e volte correndo em meu socorro.
“Estou aqui, Lipe. Bem aqui! Venha me salvar.”
Alguns minutos se passam. Ou seriam horas? Não consigo desviar o olhar. Não consigo piscar.
A distância me impede de ler suas feições. Me impede de enxergar o momento em que finalmente toma sua decisão.Sinto meu coração se desfazer no exato momento em que Felipe parte em direção a praia. A percepção de que estou sendo abandonada mais uma vez fragmenta minha alma em pequeninos cacos. Muitos e muitos cacos. Cacos de mais para serem colados novamente.
Sua fuga se dá demasiadamente rápida. Seus passos estão tão acelerados que mal consigo acompanhá-lo. Pisco, ele está a duzentos metros. Pisco, ele está a seiscentos. Pisco, ele está na praia. Caindo de joelhos...Despedaçando-se assim como eu.
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Aquarelas de Liberdade
RomanceApós quase dez anos longe de casa, estudando no Rio de Janeiro, Felipe Cardoso retorna ao Sul afim de cobrar algumas promessas antigas e exigir a liberdade de Ana Flor, sua melhor amiga de infância e único amor. Mas, ao reencontrar seu pai, Felipe...